POEMAS PARA A PALESTINA

 

Nos últimos meses tenho lido numerosas publicações sobre a Palestina, quase todas em solidariedade aos seus habitantes, e condenando o massacre israelense em Gaza.

O que tem me surpreendido é a quantidade de poemas publicados, não só nas redes sociais como em livros recém-lançados. E é grande a diversidade de poetas atuantes, demúltiplas nacionalidades. Dentre tais publicações, o que chama mais atenção, e surpreende, são os poemas de poetas palestinianos, que nos chegam quase que diariamente, a dizer que Gaza não é apenas uma terra de guerreiros mas também de poetas. Muitos deles vivem no exílio, muitos estão lá, resistindo o dia-a-dia do massacredo povo palestiniano.

 

Alguns dias atrás, compareci a um evento de solidariedade ao povo palestino e fui convidado a recitar um poema. Não tendo nada escrito sobre a temática em questão, lamentei não poder fazê-lo. Mas logo alguém conseguiu cópia de um poema da poeta palestiniana Rafeef Ziadeh, que acabei declamando, e que aqui reproduzo. Nesse ínterim, verifiquei como a poesia tem sido usada nas manifestações de apoio a luta do povo palestino, e como ela demonstra uma enorme força e é capaz de sensibilizar os que a ouvem. Sentei-me, então, num bar vizinho, e escrevi um poema, síntese da emoçãoque senti naquele momento, e que também transcrevo abaixo.

Nós ensinamos vida, senhor

Por Rafeef Ziadeh
 

Hoje, meu corpo foi um massacre televisionado.
Hoje, meu corpo foi um massacre televisionado que teve de caber em frases de efeito e limite de palavras.
Hoje, meu corpo foi um massacre televisionado que teve de caber em frases de efeito e limite de palavras preenchido o bastante com estatísticas para se contrapor à resposta comedida.
E eu aperfeiçoei meu inglês e aprendi minhas resoluções da ONU.
Mas, mesmo assim, ele me perguntou, Sra. Ziadah, você não acha que tudo estaria resolvido se vocês parassem de ensinar tanto ódio para as suas crianças?
Pausa.
Eu procuro dentro de mim força para permanecer paciente, mas paciência não está na ponta da minha língua enquanto as bombas caem sobre Gaza.
A paciência acabou me escapando.
Pausa. Sorriso.
Nós ensinamos vida, senhor.
Rafeef, lembre-se de sorrir.
Pausa.
Nós ensinamos vida, senhor.
Nós palestinos ensinamos vida depois de eles terem ocupado o último céu.
Nós ensinamos vida depois de eles terem construído suas colônias e paredes de apartheid, depois dos últimos céus.
Nós ensinamos vida, senhor.
Mas hoje, hoje meu corpo foi um massacre televisionado feito para caber em frases de efeito e limite de palavras.
E dê-nos apenas uma história, uma história humana.
Veja, não é político.
Nós só queremos contar para as pessoas sobre você e seu povo então dê-nos uma história humana.
Não use aquela palavra “apartheid” e “ocupação”.
Não é político.
Você tem que me ajudar como jornalista a te ajudar a contar sua história que não é uma história política.
Hoje, meu corpo foi um massacre televisionado.
Que tal você nos dar uma história de uma mulher em Gaza que precisa de medicação?
Que tal você?
Você tem membros de ossos quebrados o bastante para cobrir o Sol?
Me passe os seus mortos e me dê uma lista com os seus nomes em um limite de mil e duzentas palavras.
Hoje, meu corpo foi um massacre televisionado que teve de caber em frases de efeito e limite de palavras e emocione aqueles que são insensíveis a sangue terrorista.
Mas eles sentiram pena.
Sentiram pena pelo gado em Gaza.
Então eu dei a eles resoluções da ONU e estatísticas e nós condenamos e nós lamentamos e nós rejeitamos.
E estes não são dois lados iguais: ocupador e ocupado.
E uma centena de mortos, duas centenas de mortos e mil mortos.
E, neste meio tempo, crime de guerra e massacre, eu descarrego palavras e sorrio “não exótica”, “não terrorista”.
E eu reconto, eu reconto uma centena de mortos, mil mortos.
Tem alguém aí fora?
Alguém ouvirá?
Eu gostaria de poder lamentar sobre seus corpos.
Eu gostaria simplesmente de poder correr de pés descalços em cada campo de refugiados e segurar cada criança, cobrir seus ouvidos para que elas não tivessem que ouvir o som dos bombardeios pelo resto de suas vidas como eu tenho.
Hoje, meu corpo foi um massacre televisionado
E deixe-me te dizer, não há nada que as suas resolução da ONU tenham feito em relação a isto.
E nenhuma frase de efeito, nenhuma frase de efeito que eu possa apresentar, não importa o quão bom fique meu inglês, nenhuma frase de efeito, nenhuma frase de efeito, nenhuma frase de efeito, nenhuma frase de efeito vai trazê-los de volta à vida.
Nenhuma frase de efeito vai concertar isto.
Nós ensinamos vida, senhor.
Nós ensinamos vida, senhor.
Nós palestinos acordamos a cada manhã e ensinamos ao resto do mundo vida, senhor

(Tradução do inglês de Tomaz Amorim Izabel)

 

 

ESCREVE UM POEMA, PALESTINIANO

 

Por Paulo Martins 

 

Escreve um poema, palestiniano

escreve um poema para teus irmãos de Gaza

escreve um poema para os filhos de Gaza

escreve um poema para as mães de Gaza

escreve um poema para as crianças de Gaza

escreve um poema para as mulheres de Gaza

escreve um poema para os velhos de Gaza

escreve um poema para a tua história

e para os combatentes de Gaza.

 

Teus poemas vazarão o mundo

percorrerão países e continentes

penetrarão no coração dos homens e mulheres

e mudarão suas consciências.

 

Teus poemas interceptarão as balas dos poderosos,

pois correm mais rápido do que elas

e chegam antes a qualquer destino.

Teus poemas bloquearão no ar

os petardos assassinos

de teus infames algozes,

paralisarão seus tanques de guerra

desviarão seus aviões e drones

e explodirão seus foguetes e bases militares.

 

Acredita, palestiniano, no poder

de teus poemas! Eles tornarão teu povo

mais justo, mais puro e mais valente,

farão crescer  flores nos campos minados,

e semearão os grãos da felicidade

que move os homens desde o seu nascimento

prenunciando o reino da justiça e da liberdade.

 

Se não tens uma arma para empunhar,

obriga-te a combater com o amor que te move!

Que assim seja: escreve versos ferozes

nos campos da resistência,

nos palcos da adversidade

nas planícies do respeito conquistado,

na seara da compaixão e da ternura humana.

 

Conclamo-te mais uma vez:

escreve um poema, palestiniano…

um para cada motivo de tua luta.

Teus poemas jamais serão vencidos

jamais serão esquecidos

sobreviverão ao tempo e às guerras

e nenhum inimigo será capaz de escapar

de suas sentenças de vida.

 

Um dia, quando o massacre se esgotar

quando o infortúnio acabar

quando o genocídio cessar

pela força de teu clamor,

compreenderás porque teus poemas

são armas invencíveis.

Temperados nos guizos de uma história gloriosa,

não haverá força humana que os impeça

de moverem as fronteiras da terra.

Largo do Intendente, Lisboa, 18/05/ 2024

Paulo Martins

---

Foto de destaque: IA;