A recente derrota de Kamala Harris na corrida presidencial nos Estados Unidos carrega um simbolismo que vai muito além da esfera política.

No artigo artigo publicado por Mary Elizabeth Williams na revista *Salon*, a autora reflete sobre o impacto desta derrota para as mulheres americanas, abordando um misto de dor, desilusão e a persistente luta pela igualdade de género.

Williams começa por descrever um momento simbólico: ao visitar um museu em Manhattan, deparou-se com um post-it numa casa de banho feminina, onde se lia “De mulher para mulher, o teu voto é privado. Harris/Walz!” Esse pequeno gesto representava a necessidade de apoio entre mulheres num ambiente político marcado pelo receio e intimidação. Para Williams, esta simples mensagem foi um lembrete de que, apesar dos progressos, a batalha pela igualdade e pelo respeito ainda ocorre, muitas vezes, nos bastidores e nos espaços privados.

A Dimensão do Preconceito: Quando o Género e a Raça Se Tornam Armas

A jornalista Farai Chideya, entrevistada por Williams, lança um olhar crítico sobre a discriminação que Kamala Harris enfrentou ao longo da campanha, descrevendo o impacto da “misoginoir” — um termo que combina sexismo e racismo direcionado especificamente a mulheres negras. “Quando olhamos para esta corrida, não podemos subestimar o impacto da misoginia”, afirma Chideya. “Kamala Harris não enfrenta apenas o sexismo, mas, de forma específica, a misoginoir.”
Este conceito capta a discriminação única vivida por mulheres negras, especialmente em ambientes de poder dominados por homens brancos. Neste contexto, a experiência de Harris transcende a esfera política, transformando-se num símbolo de resistência para milhões de mulheres que enfrentam desafios semelhantes.

A Luta Pela Igualdade em Tempos de Retrocesso

Williams expande a sua análise ao incluir a perspectiva da autora Soraya Chemaly, que descreve o atual movimento feminino como uma “recusa global do heteropatriarcado”. Esta resistência silenciosa e subtil não se traduz em protestos convencionais, mas sim numa negação consciente das normas patriarcais.

Chemaly observa que o sexismo é a “mais íntima das desigualdades”, penetrando profundamente nas relações familiares e na vida privada das mulheres, algo que torna a discriminação de género especialmente difícil de combater.

Retrocessos nos Direitos das Mulheres e a Realidade da Desigualdade

Apesar dos avanços alcançados nos últimos anos, Williams destaca como as mulheres americanas estão a enfrentar um retrocesso alarmante nos seus direitos, especialmente nos direitos reprodutivos e na justiça social. Um exemplo trágico é a mortalidade materna, que continua a aumentar nos Estados Unidos, com o homicídio a destacar-se entre as principais causas de morte para mulheres grávidas, ultrapassando várias condições médicas.

Lily Burana, autora de *Grace for Amateurs*, reforça que, apesar destas adversidades, o patriarcado está a ser questionado de forma inédita. Contudo, observa que as conquistas são frágeis e que a resistência precisa ser constante.

Reflexão e Esperança em Meio à Desilusão

Para muitas mulheres, a derrota de Kamala Harris representa uma ferida profunda e um retrocesso na luta pela igualdade. Mas, como lembra Burana, “O patriarcado não sairá silenciosamente, mas isso não significa que não esteja a caminho do fim.” A mensagem de Williams e das mulheres que ela entrevistou é clara: apesar do caminho árduo, a batalha pela igualdade está longe de ser encerrada.

O voto das mulheres, pelo menos, ainda é privado – um ato de resistência e uma afirmação do direito à autonomia num cenário político cada vez mais hostil.

Este artigo publicado em *Salon* não só espelha a visão de Mary Elizabeth Williams como ecoa o sentimento de milhões de mulheres cuja determinação persiste, independentemente das derrotas e dos desafios políticos.

É um retrato emocional e social do impacto da derrota de Harris, uma narrativa que reforça a importância de continuar a lutar, mesmo quando os obstáculos parecem intransponíveis.

No final, vale lembrar uma citação inspiradora da própria Kamala Harris: “O meu ideal é agir com um sentido de responsabilidade, sabendo que, embora eu possa ser a primeira a alcançar certas coisas, quero garantir que não seja a última.”

Reflexao a partir do artigo original de Mary Elizabeth Williams na *Salon*]( https://www.salon.com/2024/11/06/women-react-to-kamala-harris-loss/ )