Williams começa por descrever um momento simbólico: ao visitar um museu em Manhattan, deparou-se com um post-it numa casa de banho feminina, onde se lia “De mulher para mulher, o teu voto é privado. Harris/Walz!” Esse pequeno gesto representava a necessidade de apoio entre mulheres num ambiente político marcado pelo receio e intimidação. Para Williams, esta simples mensagem foi um lembrete de que, apesar dos progressos, a batalha pela igualdade e pelo respeito ainda ocorre, muitas vezes, nos bastidores e nos espaços privados.
A jornalista Farai Chideya, entrevistada por Williams, lança um olhar crítico sobre a discriminação que Kamala Harris enfrentou ao longo da campanha, descrevendo o impacto da “misoginoir” — um termo que combina sexismo e racismo direcionado especificamente a mulheres negras. “Quando olhamos para esta corrida, não podemos subestimar o impacto da misoginia”, afirma Chideya. “Kamala Harris não enfrenta apenas o sexismo, mas, de forma específica, a misoginoir.”
Este conceito capta a discriminação única vivida por mulheres negras, especialmente em ambientes de poder dominados por homens brancos. Neste contexto, a experiência de Harris transcende a esfera política, transformando-se num símbolo de resistência para milhões de mulheres que enfrentam desafios semelhantes.
Williams expande a sua análise ao incluir a perspectiva da autora Soraya Chemaly, que descreve o atual movimento feminino como uma “recusa global do heteropatriarcado”. Esta resistência silenciosa e subtil não se traduz em protestos convencionais, mas sim numa negação consciente das normas patriarcais.
Chemaly observa que o sexismo é a “mais íntima das desigualdades”, penetrando profundamente nas relações familiares e na vida privada das mulheres, algo que torna a discriminação de género especialmente difícil de combater.
Apesar dos avanços alcançados nos últimos anos, Williams destaca como as mulheres americanas estão a enfrentar um retrocesso alarmante nos seus direitos, especialmente nos direitos reprodutivos e na justiça social. Um exemplo trágico é a mortalidade materna, que continua a aumentar nos Estados Unidos, com o homicídio a destacar-se entre as principais causas de morte para mulheres grávidas, ultrapassando várias condições médicas.
Lily Burana, autora de *Grace for Amateurs*, reforça que, apesar destas adversidades, o patriarcado está a ser questionado de forma inédita. Contudo, observa que as conquistas são frágeis e que a resistência precisa ser constante.
Para muitas mulheres, a derrota de Kamala Harris representa uma ferida profunda e um retrocesso na luta pela igualdade. Mas, como lembra Burana, “O patriarcado não sairá silenciosamente, mas isso não significa que não esteja a caminho do fim.” A mensagem de Williams e das mulheres que ela entrevistou é clara: apesar do caminho árduo, a batalha pela igualdade está longe de ser encerrada.
O voto das mulheres, pelo menos, ainda é privado – um ato de resistência e uma afirmação do direito à autonomia num cenário político cada vez mais hostil.
Este artigo publicado em *Salon* não só espelha a visão de Mary Elizabeth Williams como ecoa o sentimento de milhões de mulheres cuja determinação persiste, independentemente das derrotas e dos desafios políticos.
É um retrato emocional e social do impacto da derrota de Harris, uma narrativa que reforça a importância de continuar a lutar, mesmo quando os obstáculos parecem intransponíveis.
No final, vale lembrar uma citação inspiradora da própria Kamala Harris: “O meu ideal é agir com um sentido de responsabilidade, sabendo que, embora eu possa ser a primeira a alcançar certas coisas, quero garantir que não seja a última.”
Reflexao a partir do artigo original de Mary Elizabeth Williams na *Salon*]( https://www.salon.com/2024/11/06/women-react-to-kamala-harris-loss/ )