Uma nova aliança pode redefinir o equilíbrio global e transformar o futuro das democracias

Nos últimos dias, o mundo foi surpreendido por movimentações diplomáticas que desafiam mais de um século de pensamento geopolítico. O ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, teceu declarações e demonstrou intenções que não apenas questionam as alianças históricas do Ocidente, mas também abrem caminho para um realinhamento global sem precedentes.

Um paradigma de 120 anos em risco

Desde 1904, com a formulação da Teoria do Heartland pelo geógrafo britânico Halford Mackinder, a geopolítica ocidental tem sido regida pela necessidade de conter a expansão de potências continentais, especialmente a Rússia. Esse princípio foi decisivo para o desfecho das duas Guerras Mundiais e da Guerra Fria. A máxima era clara: “Quem controla o Leste Europeu, controla o Heartland; quem controla o Heartland, controla a Ilha-Mundo; quem controla a Ilha-Mundo, controla o mundo.”

A recente reaproximação entre Trump e Vladimir Putin, ao lado de declarações sobre a retirada do apoio à Ucrânia e o abandono da Europa, ameaça romper esse princípio fundamental, colocando em xeque a segurança e a estrutura de poder globais.

As reuniões que alarmam o Ocidente

Os primeiros sinais dessa mudança vieram com um telefonema entre Trump e Putin, seguido pela decisão de ambos de aprofundar as negociações em Riade, na Arábia Saudita – um local estratégico que reforça a aproximação entre Rússia, China e países do Oriente Médio. O detalhe mais preocupante? A Europa e a Ucrânia foram deliberadamente excluídas dessas conversas.

Esse movimento ocorre em paralelo a eventos diplomáticos na Europa, como a Conferência de Segurança de Munique, onde os Estados Unidos propuseram um acordo à Ucrânia: a entrega de 50% de seus recursos minerais aos americanos em troca de promessas indefinidas de proteção. A recusa do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky foi imediata, acirrando ainda mais as tensões.

Além disso, o vice-presidente dos EUA, JD Vance, usou a conferência para fazer duras críticas à União Europeia, acusando-a de ser um bloco decadente, sem identidade nacional e sem compromisso com a liberdade de expressão – um discurso que, na prática, minou ainda mais a confiança entre Washington e Bruxelas.

A ameaça de uma nova divisão mundial

Os desdobramentos dessa estratégia geopolítica têm implicações profundas. O afastamento dos EUA da Europa e da Ucrânia cria um vácuo de poder que pode ser explorado por uma nova aliança de potências continentais, composta por Rússia, China, Irão e Coreia do Norte. Esse “Eixo das Ditaduras” já demonstra uma coordenação estratégica cada vez mais evidente, com Moscovo e Pequim estreitando laços comerciais, militares e energéticos.

Se a Europa ficar isolada e sem o apoio americano, países como a Polónia, os Estados Bálticos e até mesmo a Alemanha podem tornar-se vulneráveis ao expansionismo russo. O cenário lembra o período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, quando a complacência das potências ocidentais permitiu a ascensão do Eixo.

Trump está a entregar o tabuleiro?

O grande erro estratégico de Trump pode ser a sua convicção de que o vasto Oceano Atlântico protegerá os EUA das consequências dessa nova ordem global. No entanto, a história demonstra que quando a Eurásia é dominada por uma potência hostil, o poder marítimo ocidental perde força. Durante a Guerra Fria, os EUA entenderam que conter a União Soviética na Europa era essencial para sua própria segurança – uma lógica que Trump parece ignorar.

Se a Rússia conseguir consolidar o seu domínio sobre a Ucrânia e expandir sua influência pela Europa, ela poderá fortalecer sua aliança com a China e outras potências continentais, tornando-se capaz de desafiar a supremacia global dos EUA. Quando Washington finalmente perceber o erro, pode ser tarde demais.

Um retorno à era dos impérios?

O movimento de Trump sugere um retorno a uma lógica imperial, onde grandes potências dividem esferas de influência e ditam as regras para os países menores. Se isso se concretizar, o mundo poderá ver o enfraquecimento definitivo da democracia liberal, substituída por um sistema onde apenas as nações militarmente dominantes têm voz e poder.

A questão que se coloca agora é: os EUA realmente permitirão que a Rússia e a China dominem o Heartland e redesenhem o mapa do poder global? Ou veremos uma reação tardia do Ocidente, tentando reverter os danos já causados?

Seja qual for a resposta, uma coisa é certa: estamos a testemunhar um momento crítico da história geopolítica mundial, cujas consequências podem redefinir o século XXI.