Desde 1904, com a formulação da Teoria do Heartland pelo geógrafo britânico Halford Mackinder, a geopolítica ocidental tem sido regida pela necessidade de conter a expansão de potências continentais, especialmente a Rússia. Esse princípio foi decisivo para o desfecho das duas Guerras Mundiais e da Guerra Fria. A máxima era clara: “Quem controla o Leste Europeu, controla o Heartland; quem controla o Heartland, controla a Ilha-Mundo; quem controla a Ilha-Mundo, controla o mundo.”
A recente reaproximação entre Trump e Vladimir Putin, ao lado de declarações sobre a retirada do apoio à Ucrânia e o abandono da Europa, ameaça romper esse princípio fundamental, colocando em xeque a segurança e a estrutura de poder globais.
Os primeiros sinais dessa mudança vieram com um telefonema entre Trump e Putin, seguido pela decisão de ambos de aprofundar as negociações em Riade, na Arábia Saudita – um local estratégico que reforça a aproximação entre Rússia, China e países do Oriente Médio. O detalhe mais preocupante? A Europa e a Ucrânia foram deliberadamente excluídas dessas conversas.
Esse movimento ocorre em paralelo a eventos diplomáticos na Europa, como a Conferência de Segurança de Munique, onde os Estados Unidos propuseram um acordo à Ucrânia: a entrega de 50% de seus recursos minerais aos americanos em troca de promessas indefinidas de proteção. A recusa do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky foi imediata, acirrando ainda mais as tensões.
Além disso, o vice-presidente dos EUA, JD Vance, usou a conferência para fazer duras críticas à União Europeia, acusando-a de ser um bloco decadente, sem identidade nacional e sem compromisso com a liberdade de expressão – um discurso que, na prática, minou ainda mais a confiança entre Washington e Bruxelas.
Os desdobramentos dessa estratégia geopolítica têm implicações profundas. O afastamento dos EUA da Europa e da Ucrânia cria um vácuo de poder que pode ser explorado por uma nova aliança de potências continentais, composta por Rússia, China, Irão e Coreia do Norte. Esse “Eixo das Ditaduras” já demonstra uma coordenação estratégica cada vez mais evidente, com Moscovo e Pequim estreitando laços comerciais, militares e energéticos.
Se a Europa ficar isolada e sem o apoio americano, países como a Polónia, os Estados Bálticos e até mesmo a Alemanha podem tornar-se vulneráveis ao expansionismo russo. O cenário lembra o período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, quando a complacência das potências ocidentais permitiu a ascensão do Eixo.
O grande erro estratégico de Trump pode ser a sua convicção de que o vasto Oceano Atlântico protegerá os EUA das consequências dessa nova ordem global. No entanto, a história demonstra que quando a Eurásia é dominada por uma potência hostil, o poder marítimo ocidental perde força. Durante a Guerra Fria, os EUA entenderam que conter a União Soviética na Europa era essencial para sua própria segurança – uma lógica que Trump parece ignorar.
Se a Rússia conseguir consolidar o seu domínio sobre a Ucrânia e expandir sua influência pela Europa, ela poderá fortalecer sua aliança com a China e outras potências continentais, tornando-se capaz de desafiar a supremacia global dos EUA. Quando Washington finalmente perceber o erro, pode ser tarde demais.
O movimento de Trump sugere um retorno a uma lógica imperial, onde grandes potências dividem esferas de influência e ditam as regras para os países menores. Se isso se concretizar, o mundo poderá ver o enfraquecimento definitivo da democracia liberal, substituída por um sistema onde apenas as nações militarmente dominantes têm voz e poder.
A questão que se coloca agora é: os EUA realmente permitirão que a Rússia e a China dominem o Heartland e redesenhem o mapa do poder global? Ou veremos uma reação tardia do Ocidente, tentando reverter os danos já causados?
Seja qual for a resposta, uma coisa é certa: estamos a testemunhar um momento crítico da história geopolítica mundial, cujas consequências podem redefinir o século XXI.