A decisão dá particular relevância ao impacto social da frase e ao contexto em que foi usada. O tribunal considerou provado que o réu “sabe /tem consciência que a mensagem contida no cartaz versa todo o povo cigano e de que, além do seu sentido literal, é passível de ser lida no sentido de que ‘os ciganos não cumprem a lei’”.
Mais: ficou provado que o próprio objetivo político era precisamente esse. Segundo a matéria de facto, “com a colocação do cartaz em apreço, o Réu quis dirigir-se aos cidadãos não ciganos e que estes o lessem no sentido de que ‘os ciganos não cumprem a lei’”, e que “o sentido que um declaratário normal retira da leitura do cartaz é o de que ‘os ciganos não cumprem a lei’”.
A sentença regista também declarações públicas associadas ao mesmo enquadramento discursivo. Em audiência, foi dado como provado que, a propósito dos cartazes, o réu afirmou que minorias “não trabalham, vivem à custa dos outros e obrigam os portugueses a sustentá-las”, pretendendo referir-se às comunidades ciganas.
O tribunal valorizou o dano humano descrito pelos autores, sobretudo nos episódios envolvendo crianças. Entre os factos provados, consta que filhos e netos foram abordados na escola por outras crianças, ouvindo frases como “porque os ciganos são maus”, “lelo tens de cumprir a lei; os teus pais têm de cumprir a lei”, e até “o meu pai disse em casa que o Ventura vai matar-vos a todos”.
A decisão sublinha ainda o contexto social pré-existente: “As comunidades ciganas portuguesas são, há várias décadas, objeto de uma discriminação negativa em termos sociais.”
E recorda uma declaração do Presidente da República, assinalando o Dia Internacional do Cigano, a 08/04/2025: “a história e percurso do povo cigano em Portugal foram muitas vezes marcados pela incompreensão, pela rejeição e pela marginalização, reforçando, por isso, a necessidade de um diálogo recíproco rumo à inclusão, numa sociedade mais justa, no respeito do Estado de Direito e dos Direitos Humanos”.
No coração jurídico da sentença está a colisão entre direitos fundamentais: liberdade de expressão versus direitos de personalidade (honra, bom nome, reputação e dignidade). O tribunal reafirma que “não há direitos absolutos” e que a conciliação deve seguir o princípio da proporcionalidade.
Mas a conclusão é clara: a mensagem, no seu sentido implícito, é “em si mesmo, discriminatório”, porque “segrega os cidadãos de etnia cigana dos restantes cidadãos”, “nega a diversidade do grupo social afetado” e reforça o estigma social.
A decisão convoca também instrumentos internacionais e europeus, lembrando que o debate público, numa democracia, deve ser inclusivo e não discriminatório. Nesse quadro, é citada a comunicação de 07/10/2020 atribuída à Presidente da Comissão Europeia: “A Europa tem o dever de proteger as suas minorias do racismo e da discriminação. Temos de substituir o anticiganismo pela abertura e pela aceitação, os discursos e crimes de ódio pela tolerância e pelo respeito da dignidade humana (…)”.
A sentença apoia-se ainda em jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), referindo que expressões que denigrem um grupo social — imputando-lhe comportamentos negativos — fomentam intolerância e ódio, podendo deixar de caber no “debate de interesse público próprio de uma sociedade democrática”.
Na parte decisória, o tribunal determina:
retirada, em 24 horas, de “todos os cartazes que colocou na via pública e nas diversas localidades do País com a menção ‘os ciganos têm de cumprir a lei – André Ventura presidenciais 2026’”;
abstenção futura de “afixação de cartazes de teor idêntico ou equivalente”;
sanção pecuniária compulsória de € 2.500,00 por cada dia e por cada cartaz que permaneça na via pública após o prazo, bem como por cada dia e por cada cartaz que venha a ser colocado depois da retirada.
Além disso, por ter sido vencido, o réu suporta as custas processuais.