Mas os números, por mais alarmantes que sejam, contam apenas parte da história. A Tesla está a perder terreno não apenas no mercado automóvel — com quebras acentuadas nas vendas nos EUA, China e Alemanha — mas, sobretudo, na batalha pela perceção pública, onde a figura de Elon Musk se tornou um fardo cada vez mais difícil de suportar.
Segundo uma sondagem recente da CNBC, Musk mantém popularidade entre eleitores republicanos, mas regista uma quebra de 82% na aprovação entre democratas — um segmento que, ironicamente, representa a maior fatia de potenciais compradores de veículos elétricos. Esta cisão política tornou-se ainda mais tóxica após a sua aproximação à administração Trump e o infame projeto "Doge", apresentado como uma revolução económica mas amplamente considerado um fiasco, com resultados muito aquém das promessas iniciais.
Durante anos, Musk construiu um império assente tanto na inovação como no carisma — um verdadeiro “storyteller” de Silicon Valley, que conquistava investidores e fãs com a mesma facilidade com que lançava foguetes. Contudo, o “efeito Elon” parece ter-se esgotado, e as repetidas promessas de carros autónomos — uma narrativa reciclada há quase uma década — já não convencem.
Na mais recente earnings call, voltou a prometer “condução totalmente autónoma ainda este ano”, evocando um “momento tipo ChatGPT” para a Tesla. Mas a repetição cíclica desta profecia, não concretizada ano após ano, já soa a meme entre os críticos.
O mais intrigante é que, apesar de tudo, as ações da Tesla subiram mais de 5% após a apresentação. Uma resposta típica dos chamados “true believers”, investidores fiéis à mitologia Musk. No entanto, a realidade do mercado — e sobretudo a tendência de consumo — revela que a Tesla está a tornar-se uma marca politizada, rejeitada pelo seu público-alvo mais tradicional.
Se antes possuir um Tesla era símbolo de progresso ecológico e vanguardismo tecnológico, hoje muitos desses consumidores associam a marca a controvérsias políticas, declarações incendiárias e uma liderança errática.
Analistas alertam que a recuperação da Tesla passa pela redefinição da sua narrativa e distanciamento de posições políticas extremas. Mas com Musk cada vez mais envolvido em disputas públicas e projetos paralelos, como Starlink e SpaceX, não é claro se a Tesla conseguirá reconquistar a confiança do público.
Tal como afirmou Stephanie Ruhle, da MSNBC: “É difícil desfazer um sino que já tocou”. Para Tesla, a pergunta que se impõe é se ainda há tempo — e vontade — de voltar a sintonizar com o futuro que um dia prometeu.
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