No Quénia, pequenos agricultores denunciam o abandono dos produtores locais em prol de um modelo de cultivo intensivo que beneficia multinacionais agroalimentares.

A introdução de organismos geneticamente modificados (OGM) no país, autorizada pelo governo, desencadeou uma reação de resistência entre as comunidades agrícolas, que temem pela segurança alimentar e pela preservação de práticas tradicionais.

Nas regiões rurais, como Karura, localizada ao norte de Nairobi, líderes comunitários promovem encontros para alertar os pequenos agricultores sobre os impactos dos OGM. Com o recente patenteamento de sementes por empresas estrangeiras, os agricultores enfrentam o risco de perder a autonomia sobre suas colheitas e de depender de métodos agrícolas controlados por grandes corporações.

Em reuniões improvisadas, com paredes de metal e chão de terra batida, grupos de agricultores discutem estratégias para resistir àquilo que consideram uma ameaça iminente. Para muitos, a chegada dos OGM representa a perda de sementes tradicionais, aprendizados passados de geração em geração, e uma mudança forçada para uma agricultura intensiva e dependente de agroquímicos nocivos.

Impactos dos OGM na Agricultura Tradicional e na Sustentabilidade Local

Uma característica fundamental dos OGM é a sua resistência aos agroquímicos, como o glifosato, permitindo que a pulverização elimine todas as plantas concorrentes e favoreça a monocultura. Esse modelo, porém, ignora as particularidades locais. Denis Wangila, um representante comunitário, ressalta a proximidade entre as fontes de água e as moradias: “A água do poço está aqui, a casa de banho está ali, tudo partilha o mesmo solo.” Ele argumenta que a introdução indiscriminada de químicos coloca em risco a sustentabilidade dos recursos naturais locais.

Para enfrentar esse avanço das multinacionais, os moradores têm formado comitês comunitários em diversas localidades, fortalecendo a resistência contra a adoção dos OGM. Entre essas organizações, destaca-se a Liga dos Camponeses do Quénia (KPL), que obteve vitórias temporárias na Justiça ao manter a proibição dos OGM até uma decisão final. Ainda assim, a ameaça persiste, e os agricultores continuam mobilizados.

Mobilização Jurídica e Reivindicações por Direitos Fundamentais

Recentemente, o Tribunal de Recurso manteve a proibição temporária dos OGM, apontando a falta de consulta pública adequada pelo governo, um direito garantido pela Constituição do Quénia. Susan Otawi, representante do Coletivo de Mulheres da Liga Camponesa Queniana, enfatiza: “A Constituição apoia-nos; temos o direito de sermos ouvidos.”

Simultaneamente, uma campanha de recolha de assinaturas contra os OGM vem ganhando força. Em City Park, outro centro de resistência em Nairobi, ativistas e agricultores reúnem-se para recolher assinaturas, reiterando que o governo tomou sua decisão sem garantir a segurança dos OGM para as comunidades locais. "Isso é inaceitável", afirma um dos porta-vozes da campanha.

A KPL mantém uma estratégia de oposição com base na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses e no artigo 10 da Constituição queniana, que assegura o direito à consulta pública. Esse respaldo jurídico tem sido crucial na luta contra um governo que, segundo os líderes camponeses, alinha-se mais com os interesses das multinacionais do que com as necessidades dos seus cidadãos.

A Batalha pela Soberania Alimentar e a Preservação das Práticas Agroecológicas

Para muitos agricultores quenianos, a luta contra os OGM é também uma luta pela soberania alimentar e pelo direito de decidir o tipo de cultivo que melhor se adapta às suas terras. Com uma rica tradição de práticas agroecológicas e cultivo de sementes nativas, os camponeses temem que os OGM destruam o equilíbrio ecológico local e tornem as comunidades dependentes de sementes patenteadas e produtos químicos, beneficiando apenas corporações estrangeiras.

"A fome não se resolve com os OGM, mas com políticas que combatam a pobreza", insistem os membros da KPL, contrapondo-se ao discurso governamental que defende os OGM como solução para a crise alimentar. Para esses agricultores, as sementes transgénicas das multinacionais não trarão melhorias para os solos do Quénia, contrariando as promessas das autoridades.

A Liga dos Camponeses do Quénia segue mobilizada, buscando barrar a autorização para o uso de OGM e reafirmando seu compromisso com uma agricultura sustentável e independente, que respeite as tradições e a biodiversidade do país.

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Foto de destaque: IA