Por: Rita Cássia Silva 

Em tempos decisivos para a sociedade portuguesa, em meio a terríveis lutas no âmbito da pandemia mundial provocada pelo novo coronavírus e em meio ao aparecimento de forças ocultas que trazem de volta ideais fascistas, penso que é fundamental refletirmos seriamente sobre muitas das vidas de quem subsiste em território português.

Já é de conhecimento público, através do Observatório das Migrações, que pessoas com percursos de migrações, contribuíram economicamente com mais de 800 milhões ao ISS, em 2019. 

Importantíssimo relembrar que muitas destas pessoas são violentadas psicologicamente junto ao SEF, anos e anos, no âmbito das regulamentações de documentos, tendo como consequências sociais subalternizações laborais e exposições a diferentes vulnerabilidades sociais. 

Muitas destas pessoas veem seus direitos negados por parte do próprio ISS que alimenta-se de suas contribuições. Não tendo acesso a proteção social no desemprego, muito menos a proteção social no âmbito das Medidas COVID-19. O que significa que ficarão totalmente para trás a partir da próxima terça ou quarta - feira, aquando do início do próximo período de confinamento, que segundo declaração do Primeiro - Ministro, António Costa, “Nunca será menos que um mês”. 

Muitas destas pessoas são violentadas fisicamente junto ao SEF, como pudemos ter conhecimento nos tempos correntes, tendo tido como expoente máximo o assassinato de Ihor Homeniuk, cidadão de nacionalidade ucraniana. Muitas destas pessoas, cidadãs,  também têm sido ludibriadas pelo próprio SEF, que além de lhes fornecer informações incorretas, tem lhes retirado direitos. Como no caso dos procedimentos burocráticos relacionados com o Tratado de Amizade entre Brasil e Portugal, onde pessoas trabalhadoras de nacionalidade brasileira, com mais de cinco anos em Portugal, ficaram sem direitos a pedir autorização de residência de longa duração, tendo que recomeçar as suas vidas do zero.  

Muitas mulheres com percursos de migrações, sobretudo de nacionalidades brasileira e africana, sofrem violências de género, através da privação materna: retiradas institucionais de crianças de suas mães trabalhadoras, através de falsas alegações, de coações institucionais e de negligências institucionais. Procedimentos estes que não dignificam mulheres e homens a co-criar uma sociedade portuguesa “equitativa”. 

Exemplos: alegação por parte de entidade do Estado Português, de que uma mãe imigrante trabalhadora, vítima de violência doméstica (que tentava salvaguardar a filha, indo viver para uma nova casa) “trabalhava demais"" e que por este facto não tinha condições para criar a filha... ou que uma mãe imigrante trabalhadora, vítima de violência doméstica, que auferia 750€ mensais, que vivia numa casa arrendada com 3 quartos, não tinha “condições” para criar seu filho... Resultados: desvinculações maternas forçadas pelo Estado português, perpetuações de reprodução social de violência de género, de violência contra a criança, de racismo, de xenofobia. 

Mulheres negras, originárias de países africanos, que visam o estatuto enquanto refugiadas, ou que simplesmente passam pelos Aeroportos portugueses em direção a outros países da UE, também têm vindo a sofrer a prática de violência de género com a privação materna. Através de supostas alegações de que as mulheres/mães não são mães das crianças que estão com elas e / ou que vão vender as crianças (ou seja, que integram redes de tráfico de crianças). Nestes contextos, sem comprovação de factos, o SEF, entre outras instituições têm vindo a separar mães e filhos africanos, que apenas lutam por vidas melhores. São discriminadas e separadas, tal como no passado escravocrata.

No entanto, são estas pessoas que trabalham para pagar impostos, são estas pessoas que contribuem quotidianamente para o desenvolvimento sociocultural do país, são estas pessoas que veem em Portugal uma oportunidade de construírem condições de vidas melhores,  são estas pessoas que ao invés de serem dignificadas enquanto seres humanos, são humilhadas, roubadas, torturadas psicologicamente, tendo as suas vidas e as vidas de seus filhos e filhas entregues ao deus dará. 

Lamentável que assim o seja. 

É lamentável ainda que o atual Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, atual candidato à Presidência da República, homem do Direito, no âmbito do que decorre contra o direito à maternidade e a autodeterminação de Mulheres vítimas de violências domésticas e/ou institucionais, demitiu - se da responsabilidade de um representante máximo de um país quanto a violência de género e quanto a violência contra crianças. Dado que, ao ter tido conhecimento em 2017/18/19, sobre procedimentos irregulares institucionais contra mulheres/mães  e crianças, além de não ter se posicionado publicamente sobre o assunto, resolveu apenas delegar problemáticas desta natureza para o Ministério da Justiça (que nada de facto tem modificado para melhor nas vidas das mulheres/mães e crianças vítimas, com percursos de migrações e, de nacionalidade portuguesa, nestes últimos 4 anos). Portanto, no meu entendimento, a corroborar para a perpetuação da barbárie. Neste sentido, ao contrário do que afirmara em debate televisivo, no dia 06/01/2021, que é o Presidente de todxs os portugueses, tal declaração não coincide com a verdade dos factos. O atual Presidente Professor Marcelo Rebelo de Sousa, representa a elite portuguesa, formada sobretudo por homens brancos e conservadores, que consideram que mulheres, crianças e pessoas que integram minorias étnicas tem que aceitar as micro violências diárias e todo o racismo estrutural até então existente na sociedade portuguesa e que atualmente vem sendo devidamente exposto e debatido.

Neste contexto catastrófico pandémico de COVID-19 com os próximos capítulos da nossa história, caso o atual governo não providencie meios diretos para apoiar cidadãs e cidadãos devidamente, sem que haja as habituais falhas do ISS, haverá exposição dos mais vulneráveis desta sociedade a total miséria: mulheres, crianças, idosos, pessoas com percursos de imigrações a quem o ISS e o SEF impedem o acesso a direitos fundamentais. É de referir que há milhares de pessoas trabalhadoras formais e informais, sem receber os apoios das Medidas COVID-19, do ano 2020, até o prezado momento. 

E é imprescindível que se preparem coerentemente para no caso de ser preciso o fechamento das escolas, que seria uma medida sensata, observando os demais países europeus, que todas as crianças tenham de facto acesso à internet, a computadores e alimentação (crianças que necessitam de continuar a receber a alimentação escolar). 

Quanto às Presidenciais, importa que as pessoas possam de facto exercer a cidadania, tendo as condições necessárias para ir votar. E que reflitam profundamente sobre quem de facto poderá representar todas as pessoas que neste país residem. Pessoas nascidas cá, pessoas com percursos de migrações, sejam elas brancas, negras, crianças, adultas, anciãs, mulheres, homens, trans, religiosas ou não. Pessoas, seres humanos. Que sonham em amar e em ser amadas. 

Uma sociedade somente pode prosperar com o exercício diário do amor, com o exercício diário para que todxs possam acessar os mesmos direitos, através do acesso a igualdade de oportunidades. Mesmo antes do nascimento. Uma criança que antes de nascer já está “sinalizada” pelos serviços sociais portugueses, pelo facto de que a sua mãe ou seus pais estejam com falta de condições financeiras, ou porque a mãe é vítima de violência doméstica e/ou institucional, como exemplos, irá nascer sem o primeiro direito que toda criança deveria de ter acesso em um Estado de Direito Democrático: o direito de ser bem nutrida afetivamente e de ser criada por sua mãe, por sua família.