Portugal orgulha-se de ser uma democracia consolidada, nascida da Revolução dos Cravos e fundada nos valores da liberdade, da igualdade e da fraternidade.

No entanto, há momentos em que a fragilidade das instituições democráticas se revela não na força das palavras, mas no silêncio das leis. O caso recente do candidato presidencial André Ventura é um desses momentos.

Em plena pré-campanha, Ventura decidiu exibir cartazes com frases como “Isto não é o Bangladesh” e “Os ciganos têm de cumprir a lei”, expressões que, para qualquer espírito lúcido, extravasam o campo da opinião política para entrar no domínio da xenofobia e da discriminação racial. Apesar das reações de repúdio vindas da sociedade civil e de diversas organizações de direitos humanos, o Ministério Público e as autoridades competentes permanecem inertes.

É aqui que surge a questão central: como é possível que, num Estado de Direito, um candidato presidencial possa difundir mensagens que atentam contra a dignidade de grupos étnicos e nacionais sem que o peso da lei se faça sentir?

Ventura defende-se com o argumento da “liberdade de expressão”, esquecendo — ou fingindo esquecer — que essa liberdade termina onde começa o discurso de ódio. A Constituição da República Portuguesa é clara: a liberdade de expressão não pode ser invocada para promover o racismo, o preconceito ou a discriminação. A jurisprudência europeia reforça o mesmo princípio. Nenhum direito é absoluto, e a democracia não é um escudo para o ódio.

O silêncio das instituições neste caso é ensurdecedor. Porque quando o Estado tolera o intolerável, abdica do seu papel de garante da justiça e do equilíbrio social. E quando as autoridades se refugiam na passividade, abrem a porta à normalização do extremismo e à degradação da convivência cívica.

Se nada for feito, estaremos — como alertam muitos — à beira de um “vale tudo” político e moral. A liberdade, sem responsabilidade, transforma-se em licença para o abuso. A democracia, sem ação, converte-se em fachada. E Portugal, que já sofreu as sombras do salazarismo, não pode permitir que o veneno da intolerância volte a infiltrar-se sob o disfarce da “opinião”.

Cumprir a lei é o primeiro passo para proteger a democracia. E é isso que se exige, urgentemente, ao Ministério Público, à Comissão Nacional de Eleições e às forças da ordem. Porque a verdadeira liberdade — a que honra Abril — é a que defende a dignidade de todos.


📢 Editorial Séc. XXI — Jornal pela Liberdade, Igualdade e Fraternidade