A situação é paradoxal. O Museu Nacional de Arqueologia, fundado em 1893 por Leite de Vasconcellos, encontra-se literalmente “entalado” entre os Jerónimos e o Museu da Marinha.

Instalado num edifício que nunca foi pensado para si, sobrevive com sucessivas obras de remendo, sem espaço para expor dignamente as suas vastíssimas coleções.

O Museu Nacional de História Natural e da Ciência, herdeiro de um projeto oitocentista, guarda tesouros de geologia, paleontologia e zoologia, mas também vive numa casa exígua e pouco adaptada à escala que um país moderno deveria ambicionar. E depois há o mosaico das chamadas “capelinhas”: as coleções da Universidade do Porto, a Sociedade Martins Sarmento em Guimarães, os núcleos de Coimbra, da Guarda, de Sintra ou da Madeira. Riquezas espalhadas pelo território, mas invisíveis ao grande público.

Entretanto, Portugal vai preparando-se para ser Capital Europeia da Cultura em 2027, com Évora no centro do mapa. E é precisamente em Évora que se ergue um património que nos distingue de toda a Europa: o megalitismo alentejano, um dos mais antigos do continente, com o Cromeleque dos Almendres e as antas que precedem Stonehenge em milénios. Aqui, arqueologia e história natural cruzam-se de forma exemplar, em diálogo com a paisagem, a astronomia, a geologia e o ambiente.

É também em Évora que se encontra uma das universidades mais antigas do país, fundada em 1559, hoje reconhecida como uma referência nacional e internacional no ensino e investigação em Arqueologia e História. A Universidade de Évora poderia ser a parceira natural de um grande museu, garantindo-lhe massa crítica, investigação de ponta e ligação direta à comunidade académica.

Não faria, então, todo o sentido aproveitar esta conjuntura para criar um Grande Museu Nacional de História Natural e Arqueologia? Um espaço de escala europeia, capaz de unir em narrativa contínua os fósseis jurássicos da Lourinhã, os minerais de Trás-os-Montes, os mamíferos extintos da Estremadura e o megalitismo do Alentejo. Lisboa teria a vantagem da centralidade e da ligação turística; Évora, a autenticidade de ser o coração do megalitismo, sede da melhor universidade portuguesa nesta área e capital cultural europeia em 2027.

Não se trata de inventar nada: trata-se de ter visão. Hoje, Portugal mostra as suas coleções em salas pequenas, museus fechados para obras sem fim e reservas inacessíveis. Amanhã, poderíamos mostrar ao mundo um edifício de grande escala, moderno, sustentável, que fosse ao mesmo tempo centro de investigação, polo educativo e espaço cultural de massas. Um lugar onde crianças pudessem passear entre esqueletos de dinossauros e antas pré-históricas, onde investigadores partilhassem conhecimento com o público, onde o país desse um salto civilizacional na forma como conta a sua própria história.

Os ingleses têm o seu museu em South Kensington, os franceses em Paris, os espanhóis em Madrid. E nós? Continuamos a viver de coleções escondidas, como se ainda tivéssemos medo da grandeza. Talvez seja tempo de ousar. Um Museu Nacional de História Natural e Arqueologiaem Lisboa ou Évora não seria apenas um espaço de exposição: seria o palco onde Portugal se reconhece como o que é — um território onde a natureza e a cultura se encontraram desde o princípio dos tempos.

Paulo Freitas do Amaral

Professor, Historiador e Autor