Esse fenómeno, sustentado por um ecossistema digital que amplifica mensagens falsas e distorce factos, gera um cenário em que as fake news se disseminam a uma velocidade alarmante, muitas vezes ultrapassando as narrativas baseadas em factos e evidências.
Mas por que razão a extrema-direita recorre, de forma tão ostensiva, a estas práticas? E por que motivo os seus seguidores parecem aceitar e perpetuar desinformação, mesmo quando confrontados com provas em contrário? Para entender essa dinâmica, é essencial observar não apenas as estratégias de comunicação contemporâneas, mas também as raízes históricas e psicossociais desse fenómeno.
A manipulação de informação não é um fenómeno novo. Desde tempos antigos, a propaganda tem sido usada para influenciar opiniões, desde o Império Romano até ao regime nazi de Adolf Hitler, que utilizou técnicas de desinformação para consolidar o seu poder. Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler, era famoso pela máxima: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade.” Esse princípio, embora perigoso, revela a lógica psicológica por trás da eficácia da desinformação: a repetição leva à familiaridade e, portanto, à aceitação.
Na era digital, o alcance dessa manipulação aumentou exponencialmente. Redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram, inicialmente criadas para promover a interação social, tornaram-se os principais canais para a disseminação de fake news. A extrema-direita, mais do que qualquer outro movimento político atual, soube capitalizar esta mudança, usando algoritmos e redes de apoio para propagar as suas ideias.
Um dos fatores que explicam a adesão persistente a informações falsas é o fenómeno conhecido como *viés de confirmação*. Em termos simples, as pessoas tendem a procurar e acreditar em informações que confirmem as suas convicções e a rejeitar as que as contradigam. Este viés é exacerbado pela polarização extrema que caracteriza o discurso político moderno. A sensação de pertença a um grupo ideológico cria uma barreira à informação externa: tudo o que vem “de fora” é visto com suspeita, enquanto as ideias “internas” são aceites sem questionamento.
O resultado? Mesmo quando confrontados com evidências claras de que determinada informação é falsa, os indivíduos tendem a redobrar a sua crença. Este comportamento é conhecido como *efeito do avestruz*: em vez de enfrentar a dissonância cognitiva, muitos preferem enterrar a cabeça na areia, mantendo as suas crenças intactas.
A eficácia das fake news não se deve apenas ao viés de confirmação, mas também ao uso inteligente de técnicas de comunicação emocional. As mensagens da extrema-direita são carregadas de apelos emocionais que visam sentimentos como medo, insegurança, raiva e indignação. A neurocomunicação mostra que, quando uma pessoa é emocionalmente ativada, a sua capacidade de pensamento crítico diminui, e ela passa a confiar mais em reações instintivas do que em análises racionais.
Na prática, isso significa que uma notícia falsa sobre, por exemplo, uma ameaça iminente de imigração descontrolada, consegue captar a atenção e provocar uma resposta emocional mais forte do que uma análise factual e detalhada sobre a realidade dos fluxos migratórios. Esta distorção emocional cria um ciclo vicioso: quanto mais intensa for a resposta emocional, maior é a adesão à informação, independentemente da sua veracidade.
Um dos alicerces da estratégia de comunicação da extrema-direita é a descredibilização das instituições tradicionais de informação. A grande imprensa e as fontes de notícias convencionais são frequentemente rotuladas como “parciais”, “elitistas” ou mesmo “inimigas do povo”. Essa retórica, que ganhou força durante a presidência de Donald Trump nos Estados Unidos, cria um ambiente de desconfiança, em que as fontes de informação convencionais são vistas como parte de uma conspiração para ocultar a “verdade”.
O resultado é a criação de *bolhas informacionais*, onde os indivíduos apenas consomem conteúdos que reforçam as suas crenças. As redes sociais, ao utilizarem algoritmos que favorecem a exibição de conteúdos com base nos interesses do utilizador, intensificam esta dinâmica, tornando difícil o acesso a perspetivas alternativas. Assim, uma pessoa que siga perfis e páginas de extrema-direita será exposta, maioritariamente, a conteúdos dessa mesma linha ideológica, reforçando a sua visão de mundo.
Outro fator que explica a eficácia das fake news no seio da extrema-direita é a simplicidade das suas mensagens. Em tempos de incerteza — económica, social e política —, a mente humana tende a procurar soluções rápidas e culpados claros. A extrema-direita responde a essa necessidade com narrativas reducionistas que atribuem a culpa a grupos específicos (imigrantes, elites liberais, partidos de esquerda) e oferecem soluções aparentemente simples: fechar fronteiras, restabelecer “ordem” e “recuperar” valores tradicionais.
Estas narrativas são especialmente apelativas para pessoas que se sentem ameaçadas ou desorientadas num mundo cada vez mais globalizado e complexo. A adesão à desinformação, portanto, não é apenas uma questão de credulidade, mas também de necessidade psicológica de segurança e controle.
A proliferação de fake news e a adesão a ideias baseadas em desinformação representam um sério risco para a democracia. Como alertou Hannah Arendt, filósofa e estudiosa do totalitarismo, “o ideal de domínio totalitário não é convencer, mas desorganizar e dividir a sociedade.” Quando uma parte significativa da população acredita em realidades alternativas e rejeita factos objetivos, o próprio conceito de verdade torna-se relativo, e a base para o diálogo democrático é destruída.
O combate à desinformação exige mais do que desmentidos pontuais. Requer uma abordagem integrada que passa pela promoção de literacia mediática, pelo fortalecimento das instituições de comunicação social e pela criação de ambientes digitais que favoreçam a diversidade de opiniões e a verificação de factos.
É um desafio complexo, mas essencial para garantir a saúde da democracia e impedir que as lições do passado — desde os regimes fascistas até às campanhas de desinformação da Guerra Fria — sejam repetidas num futuro digital dominado por narrativas manipuladoras e falsidades.
A verdade, como já mostrou a história, é demasiado preciosa para ser deixada ao acaso.