POEMAS DA RESISTÊNCIA

Por Paulo Martins, Editor Cultural

Desde a morte da jovem poeta feminista palestina Heba Abu Naba, de 32 anos, num bombardeio israelense sobre a cidade de Khan Yunis, na Faixa de Gaza, a poesia palestiniana ganhou grande impulso.

Gaza é conhecida como a maior prisão a céu aberto do mundo e a temática da liberdade é particularmente grata aos seus poetas, por uma questão mais do que óbvia: eles estão na linha de frente do combate à tirania, ao massacre e ao genocídio. O poema Nós ensinamos a vida, senhor, da poeta palestiniana Rafeef Ziadeh, publicado no blog pontovirgulina e republicado dias atrás aqui no Estrategizando é uma prova contundente desta evidência.


De fato, muitas iniciativas se sucedem na divulgação dessa nova vertente poética, desde recitais públicos até publicações em blogs, jornais e revistas literárias e, finalmente, a publicação de livros físicos e digitais. No Brasil, chegou a ser publicada uma coletânea de poemas de poetas palestinianos, intitulada GAZA, TERRA DA POESIA (Editora Tabla, 2022), editada em árabe em 2021, no Líbano, pelo poeta Mohammad
Taysir, e posteriormente traduzida para o português pelo do Grupo de Tradução de Poesia Árabe Contemporânea (gtpac), da USP, coordenado por Michel Sleiman.

 

Os que tiverem interesse neste livro e não conseguirem ou não puderem adquiri-lo, compartilhamos aqui o Boletim 519, do blog POESIA.NET do poeta baiano Carlos Machado, que publica e comenta 5 poemas de 5 autores palestinos diferentes, todos participantes desta coletânea: Amal Albuqamar, Muna Amassdar, Fatima Ahmad,Ahmad Assuq e Bassman Addirawi. Os poemas são finamente ilustrados com obras da magnífica artista plástica palestina Heba Zagout, que, assim como Heba Abu Naba, foi assassinada em Gaza em outubro de 2023. O poeta Carlos Machado, com sua grande sensibilidade, fez um trabalho belíssimo, que merece os nossos aplausos.

Canções da terra devastada

• Amal Albuqamar • Muna Amassdar
• Fatima Ahmad • Ahmad Assuq
Bassman Addirawi

APRESENTAÇÃO DO POETA CARLOS MACHADO 

 

Amal Albuqamar é uma professora da cidade de Gaza. Seu poema tem como título “Para a morte. Quando a morte virou símbolo nesta cidade?”. Numa região cercada e frequentemente bombardeada, não parece estranho que uma jovem insista em tratar da morte. Diz ela: “Morre a vida da areia,/ morrem as trepadeiras em cima dos corpos nos muros destruídos que não conservam as lágrimas dos perdedores./ Tudo aqui morre, tudo menos os mortos./ A morte aqui é eternidade (...)”.


A descrição crua do ambiente continua em versos como “A morte aqui é a luta,/ luta entre as coisas esvaziadas de sua realidade / e uma mulher que, como eu, esfrega o corpo com o sal do nada”.

Heba Zagout (1984-2023), pintora palestina morta num bombardeio em Gaza, Jerusalém (2023)

 

• Amal Albuqamar
Nascida na cidade de Gaza. Bacharel em Língua Árabe e professora no campo da educação especial.

 

PARA A MORTE. QUANDO A MORTE VIROU SÍMBOLO NESTA CIDADE?

Os cigarros da hora se acabaram
enquanto o homem traga o tempo irritado entre os lábios,
esmaga a cinza do pecado e enterra milhares de mulheres nos dedos.
Deus pendura as plaquinhas desta vida no corpo dos mortos,
e os fios emaranhados choram abraçados pelo sangue e se estendem entre os túmulos dos vivos para puxar o coração dos coveiros.
Morre a vida da areia,
morrem as trepadeiras em cima dos corpos nos muros destruídos que não conservam as lágrimas dos perdedores.
Tudo aqui morre, tudo menos os mortos.
A morte aqui é eternidade,
a morte aqui é aquele bêbado que escreve um poema na rocha usando o cinzel
de seu eu, sem se dar conta.
Não sabe que há uma fenda na pedra da existência, vazia de sentido.



A morte aqui é a luta,
luta entre as coisas esvaziadas de sua realidade
e uma mulher que, como eu, esfrega o corpo com o sal do nada.
Nenhuma morte cola no vestido das noivas quando gritam nas primeiras núpcias.
Nenhuma luz nasce do ventre da estéril que carrega dentro dela um poema.
Não tem sentido o vazio,
não tem outro sentido a realidade
que este: nascer, sempre, do amanhecer do sétimo céu.


Tradução de Alexandre
Facuri Chareti