Um salto no tempo, mais de uma década depois da sucessão de acontecimentos que levariam ao impeachment da ex-presidente Dilma, polarizariam o Brasil e ensejariam o fortalecimento da extrema-direita no país, no ano que antecede as eleições presidências, a esquerda, no poder às duras penas, “dá um tiro no pé”. O evento indicativo da nova crise dessa vez foi a polêmica envolvendo o Pix, sistema de pagamentos instantâneos criado pelo Banco Central do Brasil, e as novas regras de fiscalização do sistema pela Receita Federal, que serviriam para monitorar transações financeiras e combater fraude e sonegação.
Tal qual em 2011, no imbróglio do “kit anti-homofobia”, a medida, chamada pelos opositores de “taxação do Pix”, foi alvo de uma onda de fake news propagadas pela extrema direita e alimentadas por um vídeo falso do ministro Fernando Haddad, criado com Inteligência Artificial. Após tímidas tentativas de desmentir os rumores sobre a taxação das transferências feitas por Pix e o fim do sigilo bancário, um vídeo do deputado bolsonarista Nikolas Ferreira criticando a medida ultrapassou a marca de 300 milhões de visualizações, tornando-se o principal conteúdo sobre o tema nas redes sociais, o que levou o ministro da Fazenda Fernando Haddad a recuar, revogando a normativa e deixando o governo em maus lençóis.
Seja por ingenuidade, orgulho ou quaisquer outros sentimentos que os valha, a dificuldade em gestar a crise causada por boatos espalhados nas redes socias demonstrou a total falta de preparo do governo para enfrentar uma extrema-direita suja e inescrupulosa nas próximas eleições. Alheios ao fato que estão envolvidos em uma disputa narrativa conduzida, sobretudo, nas redes sociais, ignoram que as maiores plataformas digitais, atualmente, estão a serviço da extrema direita – a Meta, de Mark Zuckerberg, e o X, de Elon Musk.
A guinada das big techs à extrema direita, evidenciada pelo apoio aberto de Musk ao presidente Trump e pelo anuncio de Zuckerberg sobre o fim do sistema de verificação de fatos (fact-checking) afim de “evitar a censura”, é o aval para proliferação de notícias falsas e do discurso de ódio nas redes, que, à revelia de qualquer otimismo, pautará as narrativas políticas nas eleições de 2026.
Se a Secretaria de Comunicação do governo Lula “faz ouvido moucos” para os sinais ruidosos de uma disputa sórdida, patinando em responder com verdades às mentiras deslavadas da direita, como manter a esperança de que o campo progressista será capaz de conter o retrocesso e o obscurantismo que como um cancro se espalha em metástase pelo campo político?
Historicamente, no Brasil, as elites e as classes médias altas dominaram o campo narrativo, o que permitiu por décadas que esses estratos sociais influenciassem e moldassem a percepção da sociedade sobre a realidade política e limitassem as possibilidades de mudanças políticas e sociais consistentes. Com o advento das redes sociais, que se consolidaram como ferramentas poderosas e predominantes de mobilização, a comunicação digital tem proporcionado um espaço fértil para o fortalecimento dessas pautas que passaram a ser ultraconservadoras, facilitando a disseminação de ideias a serviço do medo e da mentira, aviltantes à democracia. Dito isso, é preciso lembrar ao governo, em especial ao presidente Lula que sempre foi um exímio narrador, mas parece dar sinal de cansaço, que antes da disputa nas urnas, há de se vencer a maior das disputas –acirrada no governo Dilma -, a disputa das ideias.
Carolina Rodrigues