Este evento levanta questões cruciais sobre a interferência do Estado em assuntos religiosos e a proteção dos direitos fundamentais, especialmente em tempos de conflito.
A decisão do governo ucraniano não pode ser analisada de forma isolada. Surge num momento de elevada tensão entre a Ucrânia e a Rússia, mais de dois anos após o início da invasão russa em território ucraniano. No dia 24 de agosto, coincidindo com o Dia da Independência da Ucrânia da União Soviética, o Presidente Volodymyr Zelensky promulgou uma lei que ilegaliza a Igreja Ortodoxa Russa na Ucrânia. Esta medida, prontamente denunciada por Moscovo como perseguição religiosa, acontece num cenário onde a Ucrânia, além de lidar com milhares de prisioneiros políticos e desertores, enfrenta as consequências devastadoras de um conflito prolongado.
Contudo, a proibição de uma instituição religiosa com raízes históricas profundas no país suscita sérias preocupações sobre as verdadeiras motivações por trás desta ação e os seus potenciais impactos na liberdade de religião e nos direitos humanos.
O Papa Francisco, conhecido pela sua postura pacífica e conciliadora, não hesitou em criticar a decisão de Kiev. Durante a oração do Angelus, na Praça de São Pedro, no Vaticano, o Papa expressou o seu receio pela liberdade dos fiéis na Ucrânia, afirmando categoricamente: "Nas igrejas não se toca". Este comentário reflete a importância que o líder da Igreja Católica atribui à liberdade religiosa como um direito humano inalienável.
Francisco evocou princípios fundamentais consagrados na **Carta das Nações Unidas** de 1945 e na **Declaração Universal dos Direitos Humanos** de 1948, documentos que defendem a liberdade religiosa e a não discriminação com base em crenças religiosas.
A Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco a 26 de junho de 1945, é o documento fundador da ONU, estabelecendo os princípios que regem as relações entre os Estados-membros. A Carta sublinha a importância de promover e encorajar o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, incluindo a liberdade religiosa.
- Artigo 1.º, n.º 3: "Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter económico, social, cultural ou humanitário, e para promover e encorajar o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião."
Este artigo sublinha o compromisso dos Estados-membros da ONU em promover a liberdade religiosa como parte dos direitos humanos fundamentais, uma obrigação que está em risco quando uma religião é proibida ou perseguida por motivos políticos.
Adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um documento crucial que estabelece os direitos fundamentais que devem ser protegidos universalmente.
- Artigo 18.º: "Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou de crença e a liberdade de, sozinho ou em comum, em público ou em particular, manifestar a sua religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância."
Este artigo realça a importância da liberdade de religião como um direito individual e coletivo, que deve ser protegido contra qualquer forma de repressão ou interferência por parte de governos ou outras entidades.
- Artigo 2.º: "Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados nesta Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou outra situação."
Este princípio de não discriminação é essencial para garantir que todos, independentemente da sua fé ou origem, possam exercer os seus direitos sem medo de perseguição ou repressão.
A Igreja Ortodoxa Russa, que foi em tempos a mais popular na Ucrânia, encontra-se agora no centro de uma disputa que transcende o domínio religioso. Após a criação de uma Igreja Ortodoxa Ucraniana independente em 2018, autorizada pelo Patriarca de Constantinopla, Bartolomeu I, e a subsequente invasão russa em 2022, as tensões religiosas aumentaram significativamente.
Embora tenha anunciado em maio de 2022 que cortaria todos os laços com Moscovo, a Igreja Ortodoxa Russa na Ucrânia continua a ser vista pelo governo ucraniano como uma ameaça à segurança nacional, com vários dos seus líderes sob investigação criminal. No entanto, a promulgação desta lei é vista por muitos como uma violação flagrante dos direitos humanos, uma tentativa de reprimir uma instituição que, apesar das suas ligações históricas com a Rússia, representa uma parte significativa da população ucraniana.
A proibição da Igreja Ortodoxa Russa na Ucrânia, embora compreendida no contexto de um conflito nacional e internacional, é um lembrete perturbador dos perigos de sacrificar direitos fundamentais em nome da segurança. A liberdade de religião é um dos pilares da dignidade humana, e qualquer tentativa de restringi-la deve ser vista com extrema cautela.
O Papa Francisco, ao condenar esta medida, posiciona-se como um defensor intransigente dos direitos dos fiéis, independentemente das suas afiliações políticas ou religiosas. A história mostrou repetidamente que a repressão de qualquer forma de liberdade, seja ela política ou religiosa, nunca conduz à paz ou à verdadeira segurança, mas sim ao aprofundamento das divisões e ao aumento do sofrimento.
A situação na Ucrânia continua a ser uma complexa teia de desafios e dilemas, onde as decisões tomadas hoje terão repercussões duradouras no futuro do país e na liberdade dos seus cidadãos. É imperativo que as nações, especialmente aquelas envolvidas em conflitos, reflitam cuidadosamente sobre as implicações das suas ações no cenário global dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.
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