Não se partilha essa opinião: um Congresso Extraordinário tem as mesmas competências que um Congresso Ordinário, desde que classifique as questões a discutir como “assuntos urgentes e inadiáveis” (artigos 74.º, 75.º e 78.º dos Estatutos do MPLA).
Mas esta não é a questão fundamental.
A questão fundamental que o próximo Congresso do MPLA coloca não é jurídica, é política.
Trata-se da última oportunidade para o MPLA.
E tal não se refere às discussões acerca do terceiro mandato ou do início da indicação do novo presidente do partido ou candidato a presidente da República.
O cerne não é a escolha de João Lourenço, Nandó, Higino Carneiro, Venâncio ou outros.
O assunto fundamental são os ventos de mudança que sopram com força intensa por todo o sul de África e o declínio acentuado da força do MPLA.
Em Moçambique, um vento incendiário fustiga a FRELIMO e o seu poder permanente.
Sabe-se que esse vento começou com o anúncio de resultados eleitorais tão exagerados que ninguém acreditou neles, sendo que esse irrealismo foi o combustível para a sequente sublevação popular, que não se sabe como acabará, mas certamente já corroeu o partido dominante de Moçambique.
Ou sai do poder já, ou, mais cedo do que tarde, tem de ensaiar uma verdadeira reforma política que o levará a partilhar o poder no curto prazo e, eventualmente, a perdê-lo no médio prazo.
Esta, aliás, parece ser a preferência de uma boa parte da sociedade civil, uma transição negociada e não o derrube puro e simples do governo.
No Botsuana, as recentes eleições de Outubro de 2024 marcaram o fim de 58 anos de governo do partido Partido Democrático do Botsuana (BDP), de centro-direita, que liderou o país desde a independência, em 1966.
O BDP foi decisivamente derrotado pela oposição de centro-esquerda, como o partido Umbrella for Democratic Change (UDC).
Um grande movimento de eleitores na direcção dos partidos da oposição levou o BDP a cair para o quarto lugar – do primeiro para o quarto lugar, sublinhe-se.
Nas Maurícias, as eleições em 10 de Novembro passado levaram a uma derrota enorme do governo, que demonstrara algumas tendências autoritárias.
A Alliance du Changement venceu de forma esmagadora, garantindo 60 lugares no parlamento (que contém 66 lugares) e vencendo 20 dos 21 círculos eleitorais, a vitória mais desigual desde 1995.
A Alliance Lepep, anterior governo, não ganhou nenhum assento parlamentar.
E, obviamente, há o caso extremamente simbólico da África do Sul, onde, nas eleições deste Verão, o Congresso Nacional Africano (ANC), que ocupava sozinho o poder desde o fim do apartheid, em 1994, baixou a sua votação em um terço e foi obrigado a fazer uma coligação com o principal partido da oposição para se manter no governo.
Se os ventos externos indicam um caminho de forte mudança, internamente o MPLA está no poder há 49 anos.
Mesmo que tivesse transformado o país numa Singapura, teria sofrido um desgaste sério.
Como não o fez – tendo, pelo contrário, esbanjado a oportunidade do início do século XXI (paz + petróleo a preço elevado + financiamento avultado da China) com práticas de má governação, corrupção e incompetência, há uma sensação prevalecente que o MPLA já cumpriu o seu destino histórico.
É necessário algo diferente.
Não vale a pena esconder que a vitória de 2022 foi extremamente penosa.
O MPLA apenas obteve 51,7%. Perdeu a maioria qualificada (66%) e quase a maioria absoluta (50%+1).
O Mpla só recentemente parece ter tido a noção desse quase desastre, e mesmo assim a reacção é pouco activa, como se houvesse um desígnio sobrenatural que assegurasse o poder eterno ao MPLA, resultante da legitimidade histórica da vitória nas guerras (de libertação e civil).
No entanto, com o tempo, essa legitimidade foi sendo substituída pela ilegitimidade gerada pela falta de desenvolvimento e, portanto, o poder já não está assegurado.
As eleições deixaram de ser um mero momento de confirmação da vitória do MPLA, tornando-se, cada vez mais, numa luta pela sobrevivência.
É esta a situação actual, e qualquer inferência histórica e estatística apontaria para uma derrota do MPLA em 2027.
No entanto, estes determinismos não existem na história.
Até 2027, tudo pode acontecer, mas nada acontecerá se o partido não promover a sua mudança interna estrutural.
Ha uma questão de programa, de ideias, de equipa renovada, de imagem, de modo de actuação, de preocupação com o povo, de implementação de um bom governo e da procura do bem comum, tarefas de que o partido se foi esquecendo ao longo do tempo, ou que nunca estiveram no seu âmago, uma vez que era um grupo de combate e de guerra pela independência e soberania do país.
Numa palavra, é uma questão de refundação, pois hoje não é mais a guerra ou a independência que definem um partido político, mas sim a busca da construção e do desenvolvimento de um país onde os cidadãos se sintam bem e de que sejam parte activa.
Para trás têm de ficar o enriquecimento individual à custa do Estado, a obtenção de partes do Estado para benefício próprio, o funcionamento desastrado da justiça, a insuficiência económica, a falta de recursos para as populações, com as imagens permanentes de miséria e fome.
Este Congresso é, por isso, a oportunidade para começar a transformação do MPLA num partido que lute pelo bem comum e pela boa governação. Se falhar esta refundação, o MPLA certamente não vencerá em 2027.