Até há pouco tempo, era impensável imaginar que máquinas poderiam desempenhar funções que exigem pensamento crítico, criatividade ou decisões complexas. Mas este é o novo paradigma: um mundo onde algoritmos aprendem, resolvem problemas, criam e tomam decisões de forma mais eficiente, rápida e, por vezes, mais precisa do que os humanos.
Se olharmos para a história, as revoluções tecnológicas sempre tiveram como alvo trabalhos manuais e tarefas repetitivas. A Revolução Industrial mecanizou as fábricas, o advento da informática automatizou processos administrativos, mas o trabalho intelectual permaneceu inviolado.
Afinal, como poderia uma máquina substituir o julgamento de um médico, a análise jurídica de um advogado ou a criatividade de um escritor? Hoje, essa crença desmorona.
Chatbots como o GPT-4 já demonstram capacidades impressionantes de redação, análise e síntese. Ferramentas de diagnóstico baseadas em IA, como o IBM Watson Health, já superam médicos humanos na deteção de doenças raras. Plataformas como a DoNotPay estão a automatizar processos legais que antes exigiam advogados especializados. Estas inovações não são apenas complementares, mas substitutivas, e é isso que torna este momento histórico.
Como escreveu Yuval Noah Harari: “No século XXI, a habilidade mais importante não será aprender a dominar novas tecnologias, mas aprender a ser irrelevante e, mesmo assim, encontrar um propósito.”
Esta reflexão traduz o dilema de milhões de profissionais altamente qualificados que se veem, subitamente, num cenário de irrelevância tecnológica.
A força deste novo paradigma está na eficiência e na escala da inteligência artificial. Uma máquina pode processar milhões de documentos legais em segundos, identificar padrões em dados de saúde que escapariam aos olhos humanos e criar conteúdos com uma criatividade surpreendentemente próxima da nossa.
Estas capacidades, que antes pareciam ficção científica, tornam o trabalho humano não só mais caro, mas também desnecessário.
Esta é a primeira vez na história que uma revolução tecnológica atinge diretamente as elites intelectuais. O impacto é duplo: por um lado, desvaloriza o trabalho de alta qualificação; por outro, expõe uma nova camada da sociedade ao risco de desemprego estrutural.
Como afirmou Erik Brynjolfsson, economista do MIT: “A questão não é se a IA substituirá empregos, mas quais empregos ela substituirá e a que ritmo.”
Perante este cenário, o Rendimento Básico Universal deixa de ser uma ideia utópica para se tornar uma necessidade prática. Se as profissões intelectuais, que sempre foram o alicerce da sociedade moderna, podem ser substituídas, o que acontecerá à estrutura económica e social? O RBU apresenta-se como uma solução para mitigar os efeitos devastadores da obsolescência humana em larga escala.
Mas o RBU vai além de garantir a sobrevivência económica; ele redefine o propósito do trabalho. Num mundo onde as máquinas realizam grande parte das tarefas intelectuais, os humanos poderão dedicar-se a áreas que valorizam a criatividade, a empatia e a ligação comunitária. Contudo, esta transição exige uma reestruturação completa do contrato social.
Thomas Piketty, defensor de políticas redistributivas, argumenta que o RBU é um instrumento para combater as desigualdades exacerbadas por uma economia onde a riqueza é gerada, sobretudo, por máquinas e capital. “Sem um sistema que redistribua riqueza, o futuro será marcado por tensões sociais que nenhuma tecnologia poderá resolver.”
Esta nova era levanta questões profundas. O que significa ser humano num mundo onde máquinas superam a nossa capacidade intelectual? Como encontrar propósito numa sociedade que não precisa mais do nosso esforço para prosperar? Estas são perguntas que nenhuma geração antes de nós precisou de enfrentar.
Se o RBU será a solução definitiva ainda é uma incógnita. Contudo, como afirmou John Maynard Keynes: “O problema não será como produzir mais, mas como distribuir o que já temos.” Este momento exige coragem para repensar o trabalho, a liderança e até a própria humanidade.
Estamos a entrar num território desconhecido, onde o que era impensável ontem é a realidade de amanhã. E, neste mundo onde até os líderes e pensadores se veem ameaçados pela irrelevância tecnológica, a única certeza é que a mudança não será opcional.