Por: Rita Cássia SilvaO facto é que o Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, convidou Lula da Silva, Presidente do Brasil, aquando da sua estadia no fim de Dezembro do ano passado em Brasília, a estar presente no dia 25 de Abril deste ano, na cerimónia rememorativa da Liberdade democrática, ou seja, da Revolução dos Cravos que ocorreu em 25 de Abril de 1974. Uma cerimónia que diz respeito às independências dos territórios africanos colonizados tardiamente por Portugal e posteriormente a descolonização destes mesmos territórios, ao fim do regime ditatorial português que durou 48 anos (ditadura militar/Estado Novo) e ao início da democracia portuguesa, com as suas primeiras eleições por sufrágio direto e universal para a Assembleia Constituinte em 1975, as eleições para a presidência da República, em 1976 e a escrita da Constituição da República Portuguesa, pela Assembleia Constituinte, neste mesmo ano.

Também é facto que o Ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, anunciou formalmente que Lula da Silva, Presidente do Brasil, iria discursar na cerimónia da Liberdade democrática.

Já sabemos que foi um equívoco ter sido o mesmo a fazer este anúncio, uma vez que em Portugal há o princípio da separação de poderes (Presidência da República, Assembleia da República, Governo, Tribunais) e que o Parlamento não tinha feito nenhum debate em torno do assunto.

No entanto, a divulgação não passou desapercebida por uma grande maioria da comunidade brasileira em Portugal e muito menos, no Brasil, nos países que integram a CPLP e além. Nem passou desapercebida por parte de todos que vivendo em Portugal, se manifestaram durante os últimos quatro anos para que o Brasil pudesse sair da barbárie anti - democrática em que se encontrava.

E o facto a que ninguém interessa debater, é que Lula da Silva, Presidente do Brasil está a ser vítima de XENOFOBIA, por parte da direita e da extrema-direita portuguesa, no âmbito das celebrações da LIBERDADE DEMOCRÁTICA EM PORTUGAL, neste ano de 2023. E este facto não pode ser normatizado e jogado para debaixo do tapete ou para detrás da porta, como é hábito cultural do quotidiano na sociedade portuguesa.Rita de Cassia silva

Afirmar publicamente que “O 25 de Abril é uma data dos portugueses e para os portugueses” é um ato xenofóbico, racista e desprovido de consciência histórica.

Um péssimo exemplo que se dá as crianças e aos jovens que estão a viver em Portugal e, respetivamente às suas famílias, uma vez que omite a contribuição dos povos africanos de Cabo-Verde e da Guiné-Bissau na luta anti-colonial para a libertação de África e a queda da ditadura portuguesa.

Note-se que em 24 de Setembro de 1973, foi declarada a independência da Guiné-Bissau, pelo PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) e pela Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau, um facto que deixou os fascistas portugueses desmoralizados internacionalmente e que contribuiu para que os movimentos antifascistas portugueses pudessem avançar rumo à queda ditatorial portuguesa.

Portanto, o 25 de Abril não é evidentemente “uma data dos portugueses e para os portugueses”. É uma data a ser celebrada por todos os países africanos ex-colonizados por Portugal, que finalmente passaram a se ver livres de diferentes tipos de violências e também pelo Brasil.

Ameaçar fazer a “maior manifestação de sempre” contra um chefe de Estado, durante o período da cimeira luso-brasileira em Portugal e da cerimónia que diz respeito a todos Nós, um mês após xingar o Presidente do Brasil, Lula da Silva, no Parlamento português e ser devidamente repreendido pelo Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, é continuar impunemente a fomentar a escalada da xenofobia contra mais de duzentas mil pessoas que integram a comunidade brasileira em Portugal, bem como, o racismo e a discriminação de género que se interseccionam.

Lula da Silva, Presidente do Brasil, vai além de uma representação simbólica da resistência democrática brasileira desde os anos 80, ele encarna em si, milhões de cidadãs e cidadãos negras e negros, indígenas, brancas e brancos que vivem em situação de pobreza atualmente, a sobreviver diante de uma violenta luta de classes e de desigualdades raciais, devido a herança do regime esclavagista que foi implantado no Brasil por portugueses do outrora e que edificou o país.

Do meu ponto de vista, silenciar Lula da Silva, Presidente do Brasil, após ter sido convidado pelo Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa e após ter sido divulgado pelo governo português a sua intervenção na cerimónia da Liberdade democrática portuguesa, independente dos trâmites, se trata de um erro diplomático e afetivo gravíssimo.

O convite que lhe foi feito é um sinal inequívoco para o restabelecimento da amizade e cooperação que se requer, entre Brasil e Portugal, pois é determinante para o presente e para o futuro de muita gente nascida e crescida em territórios da CPLP. Se trata de uma oportunidade para uma compreensão sobre o que de facto significa a tão aclamada “diversidade cultural” de que tanto institucionalmente se fala e sobre as consequências da falta desta mesma “diversidade cultural” tanto na Assembleia da República Portuguesa, como em todos os setores sociais e culturais relevantes da sociedade portuguesa em um momento em que celebramos o 49º ano do 25 de Abril. Silenciar Lula da Silva, é pois, de modo “subtil” negar a sua EXISTÊNCIA e assim sendo negar “subtilmente” as EXISTÊNCIAS de todxs que Lula da Silva REPRESENTA, no Brasil, em Portugal e no mundo. Algo que importa para refletir, se assim preferirem. Relembrando a versão original da canção “Tanto Mar”, de Chico Buarque de Holanda, que foi censurada pela ditadura brasileira em 1975:“Sei que estás em festa, pá Fico contente E enquanto estou ausente Guarda um cravo pra mimEu queria estar na festa, pá Com a tua gente E colher pessoalmente Uma flor do teu jardimSei que há léguas a nos separar Tanto mar, tanto mar Sei que também que é preciso, pá Navegar, navegarLá faz primavera, pá Cá estou doente Manda urgentemente Algum cheirinho de alecrim”.Concluindo, o discurso de Lula da Silva, Presidente do Brasil, faz todo o sentido na cerimónia da Liberdade Democrática, da rememoração do 25 de Abril de 2023, após a retomada democrática brasileira, dado que é uma celebração que não é, nunca foi, nem nunca será somente “portuguesa”.

Um grande VIVA à diversidade cultural existente em Portugal: potência de um presente-futuro transforma – as – dores. Potência de uma Cultura para o AFETO, pois que, DESCOLONIZAR é preciso!

Imagem criada através de IA

Rita de Cassia Silva



Foto de destaque: Criação em IA