Nas águas calmas – e tantas vezes traiçoeiras – do antigo porto de Alexandria, mergulhadores arqueológicos encontraram recentemente o que muitos julgavam perdido para sempre: um thalamegio, uma barcaça de luxo da Grécia Antiga, símbolo máximo de poder, ostentação e prestígio. Estas embarcações eram autênticos palácios flutuantes, famosas pelas cabines opulentas, decoração requintada e deslocação movida exclusivamente a remos. Não eram simples barcos; eram cenários de poder. Cleópatra, dizem-nos os registos, usou uma delas para impressionar Júlio César em 47 a.C.

O achado, datado de cerca de 2.000 anos, foi anunciado pelo Instituto Europeu de Arqueologia Subaquática (IEASM) e reacendeu o fascínio por estas embarcações sumptuosas que navegavam como símbolos de autoridade no coração do Mediterrâneo.

O casco agora identificado, com mais de 35 metros de comprimento e cerca de sete metros de largura, repousava submerso junto à antiga ilha real de Antirhodos – hoje afundada após terramotos devastadores. Nos restos da embarcação, grafites gregos gravados na trave central da quilha apontam para a primeira metade do século I d.C., reforçando a hipótese de que o barco tenha sido construído em Alexandria, numa época em que a ilha real acolhia um palácio e um grande templo dedicado à deusa Ísis.

O instituto lembra que os Ptolomeus, a célebre dinastia helenística, eram conhecidos pelos seus majestosos navios de recreio, autênticas fortalezas de prazer e luxo. Estes thalamegioi eram palco de celebrações, negociações políticas e demonstrações calculadas de riqueza. Cleópatra, sempre estratega, usou um deles como instrumento diplomático para revelar a César as maravilhas do Egito.

Franck Goddio, diretor do IEASM, tem revelado ao mundo, desde a década de 1990, os segredos submersos da antiguidade alexandrina. Colunas, moedas, estátuas e tesouros que outrora deram forma a uma das cidades mais influentes do mundo antigo recuperam agora o seu lugar no Museu Greco-Romano de Alexandria.

Com esta nova descoberta, abre-se uma porta para uma investigação fascinante. O estudo do casco poderá esclarecer não só aspetos técnicos da construção naval da época, mas sobretudo detalhes da vida quotidiana, dos rituais, do lazer e dos prazeres que marcavam o Egito romano e helenístico.

Num presente em que Alexandria enfrenta ameaças reais decorrentes das alterações climáticas – com projeções da ONU indicando que, mesmo no cenário mais otimista, um terço da cidade poderá tornar-se inabitável até 2050 – cada nova descoberta subaquática torna-se mais do que uma viagem ao passado. É também um aviso, uma metáfora, uma memória viva de tudo o que o mar é capaz de preservar… e de tudo o que pode engolir.

---

Foto de destaque: Recriação por IA

Fontes:
– European Institute for Underwater Archaeology (IEASM) – https://www.ieasm.institute
– Museu Greco-Romano de Alexandria – https://egymonuments.gov.eg
– UNESCO – Relatórios sobre Alterações Climáticas e Património Submerso – https://www.unesco.org