Inevitavelmente, o martírio de uma destacada figura religiosa, leva-nos a questionar porque desprezamos e matamos os nossos profetas?
A história mostra que as autoridades políticas e os líderes religiosos têm um registo histórico dramático quando abordam os santos mensageiros de Deus. Eles foram os responsáveis pelos terríveis maus-tratos infligidos aos fundadores das grandes religiões mundiais e aos seus primeiros seguidores. Foram os actos desses líderes que levaram Abraão e Moisés serem alvo de prisão, exílio, escárnio e perseguição. Krishna e Buddha foram ridicularizados e censurados pelos governantes do seu tempo. Os líderes políticos e religiosos de pretensas civilizações avançadas crucificaram Cristo, fizeram guerra a Maomé, exilaram e encarceraram Bahá’u’lláh e executaram o Báb.
Talvez ainda não tenham ouvido falar do Báb e do que Lhe aconteceu. A extraordinária história deste jovem e carismático profeta pode surpreender o(a) leitor(a). No fundo, Ele iniciou uma nova religião progressista no seio de uma das sociedades mais corruptas e atrasadas do mundo, e consequentemente sofreu tremendamente.
O Báb (título que em árabe significa “A Porta” ou “O Portão”) foi um jovem persa – de nome próprio Siyyid Ali Muhammad - que anunciou a Sua mensagem 1844. Os Seus ensinamentos religiosos tinham raízes no misticismo profético Sufi, prevalecente na Pérsia do sec. XIX. O Báb transmitiu uma mensagem excitante - que vinha anunciar o futuro aparecimento de uma grandiosa revelação mundial, tal como João Baptista tinha anunciado o advento de Cristo - e que Ele e o Prometido iriam unir a humanidade e reconciliar as suas tradições religiosas:
Tornai-vos como verdadeiros irmãos na una e indivisível religião de Deus, libertos das diferenças, pois, em verdade, Deus deseja que os vossos corações sejam espelhos para os vossos irmãos de Fé, para que vos encontrais reflectidos neles, e eles em vós. Este é o verdadeiro caminho de Deus, o Omnipotente, e Ele, na verdade, está atento aos vossos actos. (Selections from the Writings of the Bab, p. 55)
A Fé Babi assumiu rapidamente uma intensidade ardente naquela cultura agrilhoada em tradições. Inicialmente eram poucos os aderentes que conheciam os ensinamentos do Báb; mas depois, milhares e dezenas de milhar tornaram-se Babis, afastando-se das tradições e práticas sociais islâmicas, e desafiando a autoridade dos seus líderes. Os governantes da Pérsia e o seu poderoso clero reagiram agressivamente a estes desenvolvimentos.
Seguiu-se uma campanha de perseguições e chacinas brutais.
Seis anos após o surgimento desta nova Fé, o governo decretou a execução do seu jovem e carismático fundador. Já tinham sido torturados e executados mais de 20.000 seguidores fervorosos do Báb durante aqueles breves e intensos seis anos de existência do movimento Babi.
O Báb apelava para mudanças revolucionárias nos sistemas de crenças e governação, e proclamava a unidade de todas as religiões; consequentemente, as autoridades receavam que este desafio dinâmico e o seu crescente apoio viesse a restringir ou desfazer o seu poder.
A história dramática do Báb tornou-se rapidamente conhecida na Europa do sec. XIX, e várias figuras da cultura europeia manifestaram a sua admiração pelo Báb. Em Portugal, Eça de Queirós foi uma das primeiras pessoas a referir o Báb na sua obra “A Correspondência de Fradique Mendes”.
Aqui ficam as suas palavras:
Então, com a familiaridade que se ia entre nós acentuando, perguntei a Fradique o que o detivera assim na Pérsia um ano inteiro e um dia como nos contos de fadas. E Fradique, com toda a singeleza, confessou que se demorara tanto nas margens do Eufrates, por se achar casualmente ligado a um movimento religioso que, desde 1849, tomava na Pérsia um desenvolvimento quase triunfal, e que se chamava o Babismo. Atraído para essa nova seita, por curiosidade crítica, para observar como nasce e se funda uma religião, chegara pouco a pouco a ganhar pelo Babismo um interesse militante--não por admiração da doutrina, mas por veneração dos apóstolos. O Babismo (contou-me ele, seguindo por uma viela mais solitária e favorável as confidências), tivera por iniciador certo Mirza-Mohamed, um desses Messias que cada dia surgem na incessante fermentação religiosa do Oriente, onde a religião é a ocupação suprema e querida da vida.
Tendo conhecido os Evangelhos Cristãos por contacto com os missionários; iniciado na pura tradição mosaísta pelos judeus do Hiraz; sabedor profundo do guebrismo, a velha religião nacional da Pérsia -- Mirza-Mohamed amalgamara estas doutrinas com uma concepção mais abstracta e pura do Maometismo, e declarara-se Bab. Em persa Bab quer dizer Porta. Ele era, pois, a porta --a única porta através da qual os homens poderiam jamais penetrar na absoluta Verdade.
Mais literalmente, Mirza-Mohamed apresentava-se como o grande porteiro, o homem eleito entre todos pelo Senhor para abrir aos crentes a porta da Verdade--e portanto do Paraíso. Em resumo era um Messias, um Cristo. Como tal atravessou a clássica evolução dos Messias: teve por primeiros discípulos, numa aldeia obscura, pastores e mulheres: sofreu a sua tentação na montanha: cumpriu as penitências expiadoras: pregou parábolas: escandalizou em Meca os doutores: e padeceu a sua paixão, morrendo, não me lembro se degolado, se fuzilado, depois do jejum do Ramadão, em Tabriz.
Marco Oliveira
---
Foto de destaque: IA; A imagem criada ilustra de forma dramática e solene o martírio do Báb, capturando a essência da sua serenidade em contraste com a agressividade dos seus perseguidores. Esta ilustração poderá servir como uma poderosa representação visual, reforçando a narrativa impactante sobre a perseguição religiosa e a relevância histórica do Báb.