Amor longevo, apátrida, de uma portuguesa e um húngaro.

A memória dessas vidas e dessa arte sobrevive e se torna um legado acessível a todos, em um dos espaços culturais mais encantadores de Lisboa: a Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva, nas Amoreiras.

Maria Helena Vieira da Silva nasceu em Lisboa em 1908 e, filha de diplomata, desde cedo viajou pelo mundo. Em 1928 mudou-se para Paris, para estudar arte, e lá conheceu o pintor húngaro Arpad Szenes, então com 31 anos. A paixão foi imediata – casaram-se em 1930. Mantinham casa e ateliês no Boulevard Saint-Jacques e amizade com intelectuais e artistas como Bonnard, Giacometti e Calder. 

Com a ascensão do nazismo e a deflagração da Segunda Guerra, o casal passou a enfrentar perseguições. Szenes tinha origem judaica e Maria Helena, ao se casar, perdeu a nacionalidade portuguesa. Em 1939 fugiram para Lisboa; no entanto, o Estado Novo de Salazar recusou passaporte para o casal, que se tornou apátrida e fugiu mais uma vez, agora para o Brasil, em 1940. No Rio de Janeiro, instalam-se no antigo Hotel Internacional, no Silvestre, bairro bucólico encravado em montanhas na Mata Atlântica onde convivem, entre outros, com os pintores Carlos Scliar e Djanira e os poetas Cecília Meireles, Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade.

Em seu exílio, Arpad e Maria Helena levaram para a arte brasileira abordagens inovadoras da arte europeia. Szenes formou uma geração de artistas em aulas em seu ateliê, entre eles Lygia Clark, enquanto Vieira da Silva influenciou o neoconcretismo, impactando, com sua grade geométrica complexa, artistas como Athos Bulcão e Burle Marx. Realizaram projetos de arte pública, grandes painéis de azulejos – que posteriormente foram retomados nas obras de Maria Helena para as estações de metro de Lisboa.

Apesar da acolhida e da repercussão de seus trabalhos, o exílio era muito doloroso para eles. Conseguiram voltar a Paris em 1947, retomando suas carreiras. Vieira da Silva venceu o Prêmio de Pintura na Bienal de São Paulo em 1961, consolidando sua influência no modernismo brasileiro.

Mesmo residindo em Paris, acompanharam os eventos de abril de 1974 em Portugal com "emoção e alegria", vendo neles o fim de "uma guerra colonial sem sentido". A queda do regime salazarista possibilitou a reabilitação de Vieira da Silva no país. Em 1975, a convite de Sophia de Mello Breyner Andresen, Maria Helena cria cartazes comemorativos para o primeiro ano da Revolução dos Cravos. São imagens emblemáticas, fundindo engajamento político com inovação estética, e perduram como símbolos visuais da redemocratização. Sua trajetória — de apátrida a ícone cultural pós-ditadura — espelha a reconciliação de Portugal com sua própria história. Arpad Szenes morre em 1985, em Paris, aos 87 anos.

A Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva foi concebida com a artista, que faleceu em 1992, antes da sua inauguração, em 1994. Situada em Lisboa, na antiga Real Fábrica dos Tecidos de Seda de Lisboa, um edifício do século XVIII, em frente ao Jardim das Amoreiras, ao Aqueduto das Águas Livres, à capela de Nossa Senhora de Monserrate e à Mãe d’Água das Amoreiras, simboliza a reintegração de Arpad e Maria Helena à cultura portuguesa, que no período negro da ditadura os havia tornado apátridas. A antiga Casa-ateliê de Vieira da Silva, no Alto de São Francisco, também foi transformada em espaço cultural, conforme desejo expresso da artista, fomentando a arte contemporânea e a pesquisa, inclusive através de um programa de residências. 

Vale muito a pena pegar o elétrico ou ir caminhando, fazer o passeio e visitar não só o acervo de mais de três mil obras do casal de artistas como as muitas exposições temporárias. “Notas sobre as melodias das coisas” é a mostra que inaugura neste 17 de julho, o quarto capítulo do ciclo “331 Amoreiras em metamorfose”, com curadoria de Nuno Faria, novo diretor da instituição. Sobre a exposição: “A oralidade, a auralidade e a coralidade (de coral e de coro) são os motes para este ciclo. A cor, o silêncio dos objectos compostos em natureza-morta”. E depois, um café ou um vinho no quiosque do Jardim. E um brinde a Arpad e Maria Helena e a sua linda história de amor que fez da arte a sua pátria, nos deixando este seu legado imortal.

 

Serviço:

Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva

Museu: Praça das Amoreiras, 56 –Lisboa 1250-020

Casa-Ateliê: Alto de São Francisco, nº 1-3 –Lisboa 1250-020

www.fasvs.pt