Aristóteles, que nunca perdia uma oportunidade para organizar ideias, resumiu: “A comédia tem o seu lugar, sim, mas só é elevada quando reconhece os seus limites. Caso contrário, degenera em desdém travestido de liberdade.” E Platão, impassível como sempre, recordou a República: “O riso desenfreado é sinal de descontrolo da alma.” Já Sófocles, habituado a tragédias, murmurou: “A ironia é bela quando serve o justo. Mas quando fere os inocentes, deixa de ser arte e torna-se instrumento de vaidade.”
Ao longe, ouviu-se Aristófanes suspirar. “O humor deve ser livre”, disse, “mas não irresponsável.” E com isso selaram o veredito: não há toga para quem se exime do peso dos próprios actos, invocando para si uma liberdade que nega aos outros.
Hoje, dois milénios depois, há quem invoque os gregos como se fossem seus fiadores — e o façam com a ligeireza de quem cita Platão entre dois tweets, ou usa Sócrates como escudo moral para um sketch que expõe outrem à chacota nacional. Não lhes interessa a verdade, mas apenas a justificação. Como diria Nietzsche — que não estava em Atenas, mas devia ter sido convidado: “A arte deve criar beleza, não escárnio. Caso contrário, transforma-se numa feira de vaidades.”
O que está em causa não é censura, nem processos judiciais. É a velha questão da humildade. Todas as profissões erram. Mas só algumas se habituaram a disfarçar o erro de coragem. Médicos, professores, juízes e jornalistas são criticados, julgados e respondem pelos seus actos. Por que motivo haveria o humor — esse sublime tempero do espírito — de escapar ao escrutínio da ética?
O jovem discípulo de Aristófanes, dizem, saiu da assembleia com um ar pesaroso. Continuava convencido da sua importância civilizacional. Mas ali aprendeu que até o humor, quando se leva demasiado a sério, corre o risco de deixar de ter graça.
Paulo Freitas do Amaral, Historiador e Autor