Na época do cisma, o antigo Império Romano já estava há muito dividido entre Ocidente e Oriente. Roma havia caído em 476 d.C., enquanto Constantinopla, capital do Império Bizantino, florescia como o centro do cristianismo oriental. Essa divisão geopolítica refletiu-se nas estruturas religiosas, dando origem a duas formas distintas de entender e viver a fé cristã: uma centralizada na autoridade papal e outra orientada por uma liderança colegiada entre patriarcas.
Apesar de partilharem as mesmas raízes apostólicas, as duas igrejas começaram a afastar-se lentamente desde o século IV. As línguas litúrgicas (latim no Ocidente e grego no Oriente), as tradições culturais, as práticas rituais e a forma de organizar o poder eclesiástico tornaram-se cada vez mais distintas.
A tensão agravou-se quando, no século IX, os patriarcas de Constantinopla começaram a resistir à crescente influência do Papa de Roma. A ideia de que o Papa teria supremacia universal sobre todas as igrejas era inaceitável para os orientais, que defendiam uma liderança descentralizada entre os cinco grandes patriarcados cristãos: Roma, Constantinopla, Antioquia, Jerusalém e Alexandria — uma estrutura conhecida como Pentarquia.
O momento decisivo deu-se quando o Papa Leão IX enviou o cardeal Humberto de Silva Cândida a Constantinopla com uma carta exigindo que o Patriarca Miguel Cerulário reconhecesse a autoridade do Papa como chefe supremo da Igreja cristã. A resposta foi desastrosa.
No dia 16 de julho de 1054, Humberto depositou uma bula de excomunhão sobre o altar da Basílica de Santa Sofia, acusando o patriarca de heresia. Miguel Cerulário respondeu com outra excomunhão dirigida ao cardeal e seus enviados. Assim se consumava, simbolicamente, a separação formal entre Roma e Constantinopla.
Apesar de partilharem muitos fundamentos teológicos, como a fé nos sacramentos, na Trindade e na sucessão apostólica, havia também importantes diferenças doutrinárias. Entre elas, destaca-se a controvérsia do Filioque — a adição feita pela Igreja ocidental ao Credo Niceno-Constantinopolitano afirmando que o Espírito Santo "procede do Pai e do Filho". Os orientais consideraram essa mudança uma violação inaceitável da tradição conciliar.
Outras divergências incluíam a forma do pão utilizado na Eucaristia (ázimo no Ocidente, fermentado no Oriente), a disciplina do celibato clerical e a própria conceção de autoridade espiritual.
Embora o ano de 1054 seja tradicionalmente lembrado como o momento da separação, muitos historiadores consideram que a ruptura verdadeira foi consolidada apenas no século XIII, durante a Quarta Cruzada. Em 1204, soldados cristãos ocidentais saquearam Constantinopla de forma brutal, destruindo o pouco de unidade que ainda restava.
Eventos como o massacre de católicos em Constantinopla em 1182 e a indiferença crescente entre as duas igrejas apenas aprofundaram o abismo.
Hoje, a Igreja Católica conta com mais de 1,4 mil milhões de fiéis em todo o mundo, liderada pelo Papa a partir do Vaticano. A Igreja Ortodoxa, por sua vez, está presente sobretudo no Leste Europeu e no Médio Oriente, com cerca de 300 milhões de fiéis e uma estrutura colegial onde o Patriarca de Constantinopla é considerado “o primeiro entre iguais”.
Apesar de vários esforços de reconciliação ao longo dos séculos, o cisma permanece como uma ferida aberta no cristianismo, lembrando que até a fé pode ser dividida quando o poder, a cultura e a política se entrelaçam.
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