Suspirei fundo ao começar este texto. Há momentos em que um simples gesto nos confronta com questões fundamentais sobre quem somos e para onde caminhamos.

Um folheto distribuído por um estado democrático de direito não deveria causar tanto desconforto, mas aqui estou eu, perplexo e indignado.

Trata-se de um panfleto sueco que orienta os cidadãos sobre "o que fazer em caso de crise ou guerra". Parece inofensivo, mas a sua mensagem é tudo menos isso.

Este folheto é perigoso porque reflete um estado democrático a normalizar um cenário de guerra, alimentando o medo e desviando-se das tradições que outrora representava. Como chegámos aqui? Que sociedade democrática aceita, de forma tão passiva, a propagação de uma mentalidade de conflito?

Lembro-me do legado de Olaf Palme, um homem que simbolizava a verdadeira essência da social-democracia. Palme, com a sua visão de não-alinhamento e ativismo pela paz, desafiou a Guerra Fria e ergueu-se como uma voz singular contra as injustiças do mundo. Foi um defensor incansável das independências das colónias portuguesas e da igualdade global. E, ironicamente, foi um homem que pagou com a vida por se manter fiel aos seus princípios.

Hoje, ao olhar para este folheto sueco, sinto que traímos esse legado. A social-democracia europeia, outrora uma força moral e política, parece um eco distante da sua grandeza. A Internacional Socialista perdeu o respeito de muitos, e os ideais que defendia estão relegados à margem da discussão global.

Estamos num mundo onde os conflitos proliferam. A guerra entre Rússia e Ucrânia, alimentada por interesses geopolíticos, é apenas uma peça num tabuleiro mais vasto. Da mesma forma, a crise sem fim entre israelitas e palestinianos reflete a incapacidade da humanidade em transcender as suas divisões mais profundas. E quem alimenta essas guerras? Grandes potências, como os Estados Unidos, agora numa luta desesperada para manter a sua hegemonia, cada vez mais desafiada pela ascensão da China.

Neste contexto, distribuir panfletos que sugerem como "sobreviver" a uma guerra é uma capitulação. É abdicar da luta pela paz, pela solidariedade e pelo desenvolvimento global. É ignorar os esforços de líderes como Lula da Silva e o Papa Francisco, que nos recordam a urgência de combater a pobreza e promover a justiça social.

O que precisamos hoje não é de mais propaganda de guerra, mas de um retorno às tradições de líderes como Olaf Palme. Precisamos de coragem para desafiar a lógica destrutiva dos conflitos e trabalhar juntos por um futuro mais pacífico e justo.

Porque, como disse Palme, "A democracia não é um fim em si mesma. É o meio para alcançar o progresso social e a justiça global." Que este folheto sueco, apesar da sua mensagem, nos inspire a refletir sobre o caminho que queremos traçar – um caminho de paz, não de medo.

Oiça aqui o meu desabafo em viva voz...