Antônio Bispo dos Santos, o Nêgo Bispo, morreu ontem domingo, 03.12, no Quilombo Saco-Curtume, em São João do Piauí (PI), aos 63 anos.
Desconhecido em Portugal (não é por acaso que morreu num Quilombo…) é mesmo morto ele é um escritor, um pensador, um professor e um ativista social, um dos maiores intelectuais quilombolas do país.
Ativista político e militante no movimento quilombola e nos movimentos de luta pela terra, atuou na Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí (CECOQ/PI) e na Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).
Escreveu artigos e livros sobre a história de resistência do povo negro e elaborou o conceito de contracolonialismo.
Citemos então Nêgo Bispo,”Se você foi colonizado e isso te incomoda, você vai precisar lutar para se descolonizar e descolonizar os seus. Isso é a função da decolonialidade. Eu sou quilombola, eu não fui colonizado. Porque, se eu tivesse sido colonizado, eu seria um negro incluído na sociedade brasileira. Então, no meu caso, eu tenho que contracolonizar – contrariar o colonialismo. (…) O colonialismo está aí vivente, cada vez mais sofisticado”, e com facilidade entendemos como a Ciência sociológica está do seu lado!
Nêgo Bispo faleceu em decorrência de complicações provocadas por diabetes com a morte causada por uma convulsão seguida por uma paragem cardíaca.
Ele desmaiou numa área de lazer na comunidade quilombola, foi levado ao hospital, mas não resistiu e faleceu.
A CONAQ declarou que a contribuição dele será lembrada e reverenciada por gerações. “Sua contribuição inestimável para a compreensão e preservação da cultura e identidade quilombola será lembrada e reverenciada por gerações.”
O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Weelington Dias, do PT, ex-governador do Piauí, disse que o movimento quilombola, o Piauí e o Brasil perdeu “uma voz que ecoou em nossos corações e nos ensinou muito”.
O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, também lamentou a morte de Nêgo Bispo: “Um importante pensador brasileiro e ativista quilombola”, e que deixará “um legado inesquecível para a cultura nacional”.
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, também se pronunciou sobre a morte de Bispo. “Eu vou falar de nós ganhando, por que pra falar de nós perdendo eles já falam. Um dos maiores pensadores da nossa época ancestralizou. Nego Bispo fez a passagem e deixou aqui um legado enorme para o pensamento negro brasileiro. Um abraço a toda sua família e amigos”.
Nêgo Bispo, nasceu em 10 de dezembro de 1959 no então povoado Papagaio, atualmente município de Francinópolis.
Foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Francinópolis e diretor da Federação dos Trabalhadores da Agricultura no Estado do Piauí (Fetag).
É reconhecido como um dos principais pensadores do tema comunidades tradicionais do Brasil.
Escreveu os livros “Quilombo, Modos e Significados” e “Colonização Quilombos: Modos e Significados”, além de vários outros artigos, também dirigiu o filme-documentário “O Jucá da Volta”, em parceria com o IPHAN.
Nêgo Bispo foi o primeiro de sua família a ter acesso à alfabetização e é conhecido por seus artigos, poemas e por seu livro “Colonização, Quilombos: modos e significações”.
Ele teve atuação na liderança quilombola na Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí (CECOQ/PI) e na Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).
A Enciclopédia de Antropologia da USP destaca o seu trabalho político importantíssimo relacionado ao quilombo, seus símbolos, modos de vida, crenças e territórios tradicionais.
Os ensinamentos de Nêgo Bispo partem de uma lógica que faz um movimento contrário ao pensamento colonial.
Essa ideia de pensamento colonial pode ser entendida como todas aquelas influências culturais trazidas pela Europa para o continente americano, que moldaram a nossa forma de ver e nos relacionar com o mundo, o outro e a natureza.
A partir da colonização, todos os modos de vida dos povos originários das Américas eram combatidos e substituídos por modos de vida europeus.
Portanto, valores como a exploração da natureza e o cristianismo vieram “dentro” das caravelas, pois não eram uma realidade por aqui.
Até mesmo o funcionamento de gênero e sexualidade se dava de outra forma antes da colonização.
Durante o período de escravidão no Brasil, muitos escravizados se revoltavam, faziam rebeliões e fugiam das fazendas.
A partir disso, foram surgindo comunidades umas temporárias outras permanentes formadas por essas pessoas.
Então, essas comunidades passaram a ser centros de resistência desses escravizados, nos quais eles produziam o seu alimento e os seus próprios modos de vida, sem exploração e violência.
Esses lugares receberam o nome de quilombo e seus moradores eram então os quilombolas.
Atualmente, existem cerca de 4 mil comunidades quilombolas no Brasil.
“Hoje as mais importantes universidades do Brasil estão chamando os quilombolas e indígenas para discutir cosmologia, modos de vida, contracolonidade. Quem imaginou que, um dia, um lavrador quilombola, Nêgo Bispo, nascido no Piauí, teria um livro, escrito a partir de memórias ancestrais, na ementa de universidades do Brasil? Quem imaginou que um lavrador estivesse fazendo três lives por semana pra discutir confluências, cosmofobia, pensamento circular, biointeração, saberes orgânicos?! Nesse momento, nós, quilombolas, estamos presentes não como pessoas que devem ser ajudadas, mas como pessoas que ajudam. Hoje nosso modo de vida é referência”.
Nêgo Bispo - Entrevista Revista Revestres
O seu livro é uma documentação teórica das disciplinas de Antropologia do Museu Nacional, ou do curso de Geografia e Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no de Psicologia na Universidade Federal Fluminense (UFF), Direito e Artes na Universidade Federal da Bahia (UFBA), etc…
O seu livro “Colonização, Quilombos: modos e significados”, por exemplo, é pensado como um rio, trazendo os relatos de uma cultura quilombola que se construiu através da oralidade: histórias que iam sendo passadas de uma geração para a outra através da fala o que faz com que os quilombolas valorizem os idosos e as crianças, pois eles simbolizam o que Nêgo chama de “começo, meio e começo” com a herança cultural que passa deste idoso, para o seu filho e recomeça nos seus netos.
E leiam!
Fogo!… Queimaram Palmares, Nasceu Canudos
Fogo!… Queimaram Palmares,
Nasceu Canudos.
Fogo!… Queimaram Canudos,
Nasceu Caldeirões.
Fogo!… Queimaram Caldeirões,
Nasceu Pau de Colher.
Fogo!… Queimaram Pau de Colher…
E nasceram, e nasceram tantas outras comunidades que os vão cansar se continuarem queimando.
Porque mesmo que queimam a escrita,
Não queimarão a oralidade.
Mesmo que queimem os símbolos,
Não queimarão os significados.
Mesmo queimando o nosso povo
Não queimarão a ancestralidade.
Nego Bispo
“Toda vez que você for pegar o boi, peça por favor. Mesmo que ele não entenda, é você quem tem que entender. É você quem precisa do boi e não ele de você. Diga: boi, por favor, me ajude a arar a terra; boi, por favor, me ajude a puxar o engenho”. Antes de montar no cavalo, tio Norberto dizia: “Meu cavalo velho, por favor me desculpe, eu andei muito com meus próprios pés, hoje preciso de sua ajuda”. É assim o povo quilombola”,
Nêgo Bispo - Entrevista Revista Revestres
"Quando nós falamos tagarelando
E escrevemos mal ortografado
Quando nós cantamos desafinando
E dançamos descompassado
Quando nós pintamos borrando
E desenhamos enviesado
Não é por que estamos errando
É porque não fomos colonizados".
Viva Nêgo Bispo!!!!!!!
Nós extraímos
Nós extraímos os frutos nas árvores…
Eles expropriam as árvores dos frutos!
Nós extraímos os animais na mata…
Eles expropriam a mata dos animais!
Nós extraímos os peixes nos rios…
Eles expropriam os rios dos peixes!
Nós extraímos a brisa no vento…
Eles expropriam o vento da brisa!
Nós extraímos o calor no fogo…
Eles expropriam o fogo do calor!
Nós extraímos a vida na terra…
Eles expropriam a terra da vida!
Joff4e Justino
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