Ainda como estudante, foi uma voz ativa contra o regime salazarista. Presidiu à Associação de Estudantes do IST, dirigiu o seu jornal e participou nas principais lutas estudantis da época, nomeadamente contra o Decreto-Lei nº 40 900 e na histórica greve de 1962, durante a qual foi detido pela PIDE por 24 horas, no contexto da repressão aos protestos na Cantina da Universidade de Lisboa. Fez também parte do Conselho dos Anciãos, órgão de referência na resistência estudantil.
Após o 25 de Abril de 1974, assumiu cargos de relevo nos primeiros governos da democracia. Foi ministro da Indústria e Tecnologia no IV Governo Provisório, liderado por Vasco Gonçalves, e mais tarde, ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território no XIII Governo Constitucional, sob a liderança de António Guterres.
João Cravinho vinha da Intervenção Socialista e foi figura proeminente no Movimento da Esquerda Socialista (MES), integrando mais tarde o Partido Socialista. A sua entrada no PS contou com o apoio de personalidades como Ferro Rodrigues, com quem trabalhou no GEBEI (Gabinete de Estudos de Base para a Economia e Inovação), e Jorge Sampaio. Foi também subscritor nº 48 da SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, uma plataforma de reflexão crítica na transição democrática portuguesa.
Em 2006, como deputado socialista, apresentou um ousado pacote legislativo anticorrupção. A proposta previa, entre outras medidas, a criminalização do enriquecimento ilícito e a possibilidade de se levantar suspeitas sobre património não justificado com os rendimentos declarados — medidas que, apesar do apoio popular, foram rejeitadas pela própria bancada socialista. O argumento utilizado foi o de que se estaria a inverter o ónus da prova. Desiludido com a recusa em enfrentar o problema de forma estrutural, Cravinho afastou-se da vida parlamentar. A sua proposta viria a ser parcialmente retomada anos depois, embora nunca com a força reformista original.
Cravinho foi sempre um homem de causas e de convicções. As suas ligações ao MPLA, resultantes da sua origem angolana e da militância anti-colonial, foram motivadas por laços afetivos e históricos e não por qualquer envolvimento partidário direto. Foi um apoiante crítico, que manteve a integridade e a independência intelectual mesmo nos momentos em que isso implicava distanciamento político.
No plano académico, foi professor convidado em diversas instituições de prestígio, como o Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), o Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) e a Universidade de Coimbra, onde partilhou o seu saber sobre economia, planeamento e políticas públicas.
João Cravinho deixa um legado de coragem, ética e serviço público. Um dos seus filhos, João Gomes Cravinho, seguiu igualmente uma carreira política de relevo, tendo sido Ministro da Defesa e dos Negócios Estrangeiros em governos liderados por António Costa entre 2018 e 2024.
Morre assim uma figura rara da política portuguesa: um homem que ousou pensar pela sua própria cabeça, confrontar os poderes instalados, e defender a integridade com uma coerência pouco comum. O país perde uma das suas vozes mais lúcidas e incómodas — e por isso mesmo, mais necessárias.