Segundo informações veiculadas na imprensa, “Mikas” era um dos elementos ativos num servidor da plataforma Discord, uma rede social utilizada maioritariamente por jovens, especialmente em comunidades de videojogos. Mas por detrás do pseudónimo, escondia-se um predador. Utilizando o grupo privado “The Kiss”, Mikas terá manipulado, coagido e abusado psicologicamente — e em alguns casos sexualmente — de menores.
O ambiente era descrito como de “pura maldade”: partilha de imagens íntimas, chantagem emocional e ameaças sistemáticas.Apesar da gravidade dos crimes, o artigo em causa não menciona o nome verdadeiro do agressor, optando por manter o anonimato “para proteger a sua imagem”.
Proteção de imagem: direito ou escudo de impunidade? Em Portugal, como noutros países europeus, existe a norma de não divulgar a identidade de suspeitos ou condenados por determinados crimes, nomeadamente quando o processo ainda está em fase de investigação. Contudo, quando os factos estão provados e confirmados por sentença judicial, a proteção da imagem do agressor levanta sérias questões éticas e jurídicas.
A proteção de identidade deveria ser reservada para quem ainda pode reconstruir-se, quem cometeu erros mas demonstra arrependimento e capacidade de reintegração. No caso de abusadores em série, manipuladores e agressores de crianças, a ocultação da identidade não protege apenas o agressor — também impede outras vítimas de se reconhecerem na história e denunciarem.
Pior ainda: permite que, mesmo após condenação, o agressor mantenha anonimato e regresse ao convívio com novos potenciais alvos.A pedagogia da vergonha?O debate sobre a exposição pública dos agressores divide juristas e sociedade civil. De um lado, os que defendem que o castigo deve ser reservado ao espaço do tribunal e não pode degenerar em linchamento social. Do outro, aqueles que consideram que a responsabilização pública — inclusive com rosto e nome — pode funcionar como verdadeiro elemento dissuasor.
Como escreveu recentemente o penalista espanhol Javier Urra, “em casos de abuso sistemático contra crianças, a transparência não é uma afronta à justiça, é um direito das vítimas”.
Ainda hoje o Estrategizando recorda, com indignação, o caso do menor abusado numa escola pública no Vimioso. Apesar de ter sido denunciado, o processo arrastou-se e terminou sem punições claras ou responsabilização institucional. Uma ferida que permanece aberta. E um lembrete de que o sistema judicial, muitas vezes, falha aos mais frágeis.Um apelo à justiça com rosto humano
Não defendemos o sensacionalismo, nem a exposição gratuita. Mas sim a justiça com coragem. Coragem para proteger os inocentes, mesmo que isso implique nomear e dar rosto aos culpados.
Que a Lei saiba distinguir quem erra e merece nova oportunidade, de quem abusa de forma consciente, continuada e cruel.Como sociedade, temos o dever de proteger as vítimas — e não os predadores.
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