O Presidente que desaparece quando lhe convém

Marcelo Rebelo de Sousa sempre soube como estar no centro da ação. No tempo de António Costa, bastava um sobressalto político para que o “Presidente Selfie” surgisse em direto, conferência de imprensa improvisada, ar grave e dedo apontado. Se havia uma crise, lá estava ele. Se fosse necessário moldar a narrativa, também. A sua omnipresença era quase garantida, especialmente quando a turbulência atingia o governo socialista.

 

Mas eis que o tabuleiro mudou. Depois de ter ajudado a derrubar o governo de Costa, Marcelo parece ter adotado um novo superpoder: a invisibilidade seletiva. Nos escândalos recentes que abalaram a Madeira e o continente, onde a direita se vê atolada em casos de corrupção e má gestão, o Presidente sumiu. Nem uma palavra, nem uma selfie, nem sequer uma piscadela de olho em Belém.

Do justiceiro ao contemplativo

O que aconteceu ao Marcelo interventivo, ao Presidente que não deixava escapar nada? Será que, de repente, decidiu que o silêncio é a melhor política? Ou será que a sua indignação tem um filtro partidário?

Na Madeira, sob décadas de governação do PSD, o país assiste a um espetáculo de corrupção descarada, tráfico de influências e negócios suspeitos que enriqueceram empresas ligadas ao poder. Em tempos, qualquer suspeita de favorecimento no governo socialista servia para Marcelo pressionar, exigir demissões e marcar o tom da crise. Agora? Nada. Um silêncio profundo, como se nada estivesse a acontecer.

E no continente? A história não é diferente. No caos absoluto da Saúde, onde a incúria e a incompetência já custaram vidas, Marcelo nem um piu. O Presidente que outrora fazia questão de comentar qualquer falha no SNS agora limita-se a assistir ao colapso, como se não fosse nada consigo. Nem um apelo, nem um raspanete, nem uma palavra de conforto às famílias que perderam entes queridos por erros evitáveis. O mesmo Marcelo que exigia explicações públicas e pressionava governos, agora assiste à tragédia como um espectador passivo.

A justiça à medida das amizades

É impossível não notar o duplo critério. O Presidente que justificou a dissolução do governo de Costa com base na “necessidade de estabilidade” agora ignora os abalos no seu próprio campo político. A sua bússola moral parece ter um mecanismo curioso: funciona apenas quando os escândalos vêm da esquerda.

O país que se habituou a um Presidente interventivo agora vê um Marcelo que se esconde quando as crises tocam nos seus aliados. Não há conferências de imprensa apressadas, não há indignação pública. A justiça de duas faces nunca esteve tão evidente.

No fim, a pergunta que fica é simples: Marcelo calou-se porque perdeu a voz ou porque já não lhe interessa falar?