Além disso, a equipa encontrou possíveis indícios da presença da molécula de tricarbono (C3), uma molécula que poderá participar na cadeia de reações químicas que geram moléculas complexas em Titã. A confirmar-se, será a primeira deteção da molécula de tricarbono num corpo planetário. Estes resultados foram publicados num artigo 3 na revista científica Planetary and Space Science.
“A atmosfera de Titã funciona como um reator químico de dimensão planetária, produzindo muitas moléculas complexas baseadas no carbono”, diz Rafael Silva. “De todas as atmosferas que nós conhecemos no Sistema Solar, a atmosfera de Titã 4 é a mais semelhante com aquela que nós pensamos ter existido na Terra primitiva”.
Este trabalho trouxe nova informação sobre a própria química do metano. As 97 novas linhas da sua absorção espectral em comprimentos de onda da luz visível – nas regiões das cores laranja, amarelo e verde – foram identificadas em bandas de linhas já antes associadas à absorção pelo metano mas nunca individualizadas. Pela primeira vez conhece-se o comprimento de onda e intensidade de cada uma dessas linhas.
“Mesmo em espectros de alta resolução, as linhas de absorção do metano não são fortes o suficiente com a quantidade de gás que conseguimos ter num laboratório na Terra 5”, diz Rafael Silva. “Mas em Titã temos toda uma atmosfera, e o caminho que a luz atravessa na atmosfera pode ter centenas de quilómetros. Isso faz com que as diferentes bandas e linhas, que têm um sinal fraco em laboratórios na Terra, sejam muito evidentes em Titã.”
Foi assim que a equipa encontrou sinais da possível presença da molécula de tricarbono (C3) nas altas camadas, a 600 quilómetros de altitude. No Sistema Solar, esta molécula, que se manifesta por uma emissão azulada, era até agora só conhecida no material envolvente ao núcleo de um cometa. As linhas de absorção em Titã que a equipa associou ao tricarbono são poucas e de pouca intensidade, apesar de serem muito específicas deste tipo de moléculas, por isso serão realizadas novas observações no futuro para se tentar confirmar esta deteção.
“Quanto mais conhecermos sobre as diferentes moléculas que participam na complexidade química da atmosfera de Titã, melhor vamos conhecer o tipo de evolução química que pode ter permitido, ou estar relacionado, com a origem da vida na Terra”, diz Rafael Silva. “Pensa-se que alguma da matéria orgânica que contribuiu para a origem da vida na Terra foi produzida na sua atmosfera por processos relativamente semelhantes aos que observamos em Titã”.
Atualmente, esta lua de Saturno é um mundo único no Sistema Solar, sendo um campo de testes na preparação de futuras observações das atmosferas de planetas fora do nosso sistema planetário, os chamados exoplanetas. Entre estes, poderão existir corpos pequenos e frios como Titã.
“A experiência adquirida em análises desafiantes como esta poderá vir a beneficiar observações no infravermelho com o telescópio espacial James Webb, ou a futura missão espacial Ariel, da Agência Espacial Europeia (ESA)”, comenta Pedro Machado, segundo autor deste artigo agora publicado. “A missão Ariel será dedicada ao estudo da atmosfera de cerca de mil exoplanetas e tem importante participação portuguesaliderada pelo IA, assim como um dos coautores deste estudo, Zita Martins, como Community Scientist6 da ESA”.
Os dados utilizados para este trabalho vieram de observações realizadas em junho de 2018 com o espectrógrafo de alta resolução para o visível e ultravioleta UVES, instalado no Very Large Telescope (VLT), do ESO, no Chile. Foram também utilizados dados em arquivo recolhidos com o mesmo instrumento em 2005.
Foto de destaque: IA; esta ilustração fictícia pretende representar a lua de Saturno, como um campo de testes para a busca de vida fora do Sistema Solar, pois visa refletir a atmosfera densa de Titã, rica em nitrogênio e metano, e o potencial para a vida sugerido pelas complexas reações químicas desencadeadas pela radiação solar.