“Se alguém duvidava que Portugal tem bons milhares de pides e informadores, o Chega nasceu para provar isso”, dispara Joffre Justino logo no início da intervenção. “Há muitos descendentes de legionários, de agentes secretos e das juntas de freguesia do tempo do Salazar — e é essa gente que dá 43 milhões de visualizações ao senhor Ventura.”
A crítica é dura e vai além do fenómeno político. Para o diretor do Estrategizando, as reações ao discurso de André Ventura e aos cartazes do Chega — que motivaram já cerca de 500 queixas ao Ministério Público — revelam um país dividido entre a indignação moral e o entretenimento político. “Quem tem tempo para alimentar 43 milhões de visualizações em coisas absurdas é porque não trabalha. Queixam-se dos ciganos e dos imigrantes, mas são eles que passam o dia a espalhar ódio.”
No mesmo depoimento, Joffre Justino critica também a incapacidade das forças progressistas de se unirem em torno de um projeto comum. “Desde 1975 que a esquerda se divide sobre a pureza das suas purezas”, ironiza. “Não há revolução sem massas, sem trabalhadores ao lado. Mas hoje há cada vez menos militantes, menos aderentes e mais carreiristas que só pensam na sua reformazinha parlamentar.”
Para o fundador do Estrategizando, a esquerda portuguesa vive um ciclo de autoaniquilação ideológica: “Se as direções das esquerdas não perceberem isto, é porque não sabem o que é política. Limitam-se a sobreviver.”
Joffre Justino fala ainda de um país “à beira do charco”, dominado por uma direita que “se cola ao Chega” e por uma esquerda que “se cala perante o essencial”. O dirigente denuncia a “subserviência cega” da classe política portuguesa, que toma posições automáticas em conflitos internacionais mas ignora as tragédias no seio da CPLP.
“Preocupam-se com Gaza — e bem —, mas esquecem Angola, Moçambique, Guiné-Bissau. Esquecem até o que Trump tentou fazer no Brasil. Há uma seletividade moral perigosa e covarde”, lamenta.
No fecho da sua intervenção, Joffre Justino retoma o tom pedagógico e humanista que caracteriza as suas crónicas. O seu apelo é simples e direto: “Temos de mudar de visão do mundo. A favor da liberdade, da igualdade e da fraternidade. A favor da distribuição justa da riqueza e de uma economia solidária. Se não formos veementes contra as ‘cheganices’ e as loucuras venturistas, não vamos longe.”
O diretor do Estrategizando conclui com ironia amarga: “Esses 43 milhões de visualizações são uma enorme treta — e um sintoma de que estamos a ver o espetáculo, em vez de lutar pela democracia.”