Na televisão, indiferente ao canal, um empresário da restauração ri-se de forma cúmplice. Queixa-se da falta de trabalhadores e diz, sem rodeios, que só imigrantes aceitam as condições oferecidas.

A imagem é reveladora: por detrás do sorriso, esconde-se um modelo económico sustentado pela informalidade e por relações laborais cada vez mais frágeis.

 

A declaração surge num contexto alarmante: a MEO prepara-se para eliminar mil postos de trabalho em Portugal. A questão impõe-se — estarão esses trabalhadores dispostos a trocar telecomunicações por turnos mal pagos na restauração? Provavelmente, não. Não porque não queiram trabalhar, mas porque sabem o que valem. E porque o trabalho com dignidade não é compatível com salários mínimos, horários desregulados e vínculos inexistentes.

Durante os meses de verão, o setor do turismo disfarça o problema. Julho, agosto e setembro são estatisticamente generosos. Mas o outono chega, e com ele a realidade nua e crua: a sazonalidade agrava o desemprego, e as soluções estruturais continuam por fazer.

É aqui que entra a mão-de-obra estrangeira. Sem documentação, sem direitos, sem voz. Uma pseudo-flexibilização que tem tanto de conveniente para alguns empresários quanto de perigosa para a coesão social. O modelo aproxima-se perigosamente daquilo que se vê na República Dominicana: muita informalidade, poucos compromissos, e sindicatos transformados em meras sombras de si mesmos — até mesmo os alinhados com o PSD, como os da UGT.

A tendência é clara: dos 5,9% de desemprego registados em junho, estima-se que Portugal ultrapasse os 10% até ao final de 2025. E este número nem sequer contempla os milhares de imigrantes que, embora presentes, permanecem invisíveis nas estatísticas oficiais.

Mais do que falta de trabalhadores, há falta de vontade política para garantir trabalho com direitos. E sem trabuco — ou seja, sem condições —, não há manduco. Nem para quem serve, nem para quem come.