Alberto Neto denunciou o caráter artificial das fronteiras africanas, traçadas a régua e esquadro pelas potências coloniais. “Angola é como é, a Guiné-Bissau é como é… as populações foram objeto pura e simplesmente de transação”, afirmou. Em alguns casos, essa arbitrariedade atingiu o absurdo, como na fronteira entre a Costa do Marfim e o Gana, que “passa no meio de uma cama”: de um lado, o francófono; do outro, o anglófono. Para Neto, estes exemplos revelam como as divisões impostas ignoraram as identidades culturais, sociais e linguísticas dos povos.
O jurista recuperou ainda um episódio decisivo: em julho de 1960, um grupo de intelectuais angolanos enviou um memorando ao então primeiro-ministro António de Oliveira Salazar, propondo negociações para uma transferência pacífica de poder nas colónias, evitando a violência que já devastava outras regiões, como o Vietname e o Quénia. A resposta de Salazar foi inequívoca: “não, não e não”.
Essa intransigência, sustenta Neto, legitimou a luta armada como única via possível. “Não foram os intelectuais que queriam fazer guerra; foram obrigados pela recusa do regime”, explicou. Este impasse transformou a luta diplomática inicial num combate aberto pela libertação nacional, princípio que viria a fundamentar a ação política e militar dos movimentos de independência.
Para Neto, a independência e a soberania são inseparáveis: “O princípio da soberania dos Estados não pode ser negado a nenhum deles.” Embora reconheça que, em certos contextos, existam hoje movimentos nostálgicos da ligação colonial, considera improvável qualquer reversão histórica, sublinhando que o caminho é a afirmação plena das nações.
António Alberto Neto nasceu a 16 de junho de 1943, no Bairro Operário, em Luanda. Sobrinho de Agostinho Neto, líder do MPLA, ganhou notoriedade ainda jovem ao desenhar, em 1959, a bandeira do movimento — aprovada oficialmente no ano seguinte. Em 1962, assumiu a “Biblioteca Revolucionária do MPLA” e seguiu para França para estudar Ciências Políticas, Direito e Sociologia na Universidade Pierre-Mendès-France, em Grenoble. Licenciou-se em Direito Público, doutorou-se em Ciências Políticas e especializou-se em Direito Constitucional Comparado na Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne.
Entre 1970 e 1973, foi diplomata do MPLA nos países nórdicos. Em 1975, tornou-se o primeiro decano da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto (FDUAN). Porém, na década de 1980, rompeu com o MPLA durante as “purgas eduardianas” e foi preso durante nove meses, sendo classificado pela Amnistia Internacional como “prisioneiro de consciência”. Impedido de lecionar em Angola, partiu para o Reino Unido, onde ensinou em Oxford e no King’s College de Londres (1986-1991).
Em 1992, foi candidato presidencial pelo Partido Democrático de Angola (PDA), ficando em terceiro lugar com 2% dos votos — numa eleição cuja segunda volta nunca ocorreu devido ao contexto de guerra civil. Mais tarde, voltou a lecionar na FDUAN, trabalhou na Universidade de Estrasburgo (1997-1999) e na Universidade Lusófona, em Lisboa (2000), antes de regressar a Angola como professor e jurisconsulto.
A sua voz, marcada pela vivência direta dos momentos-chave da independência, mantém-se firme ao denunciar as injustiças históricas e ao lembrar que a liberdade, tantas vezes conquistada a ferro e fogo, exige vigilância constante para não ser corroída.