Ferreira de Castro um Libertário que combateu o fascismo salazarento

A 24 de maio de 1898 nasceu o escritor português Ferreira de Castro, autor entre muito mais obras de "A Selva" e "Emigrantes".

Precursor do Neorrealismo em Portugal, nasceu em Oliveira de Azeméis e faleceu a 29 de junho de 1974, pouco vivendo o 25 de abril!

Depois de ter terminado os estudos primários, emigrou para o Brasil, para trabalhar como empregado de armazém no seringal Paraíso, na selva amazónica.

Viveu durante alguns anos em Belém do Pará, aí prosseguindo com grandes dificuldades as suas primeiras tentativas literárias e publicando o romance juvenil Criminoso por Ambição.

Durante duas décadas, a actividade de jornalista proporcionou a José Maria Ferreira de Castro a liberdade económica necessária à escrita de seus livros, ao seu sonho de romancista.

Filho de uma família humilde de Ossela, em Oliveira de Azeméis, e desde cedo órfão de pai, Ferreira de Castro emigrou para o Brasil com apenas doze anos.

Passou parte da sua adolescência a trabalhar em regime de “semi- -escravatura” no Seringal Paraíso, no interior da Amazónia, onde redigiu os primeiros contos e a novela Criminoso por Ambição (1916), e posteriormente em Belém do Pará, onde começou a colaborar com alguns jornais locais – Jornal dos Novos e A Cruzada.

As dificuldades desta fase da sua existência são, de resto, transpostas para as páginas de A Selva (1930) – exercício catártico, onde procurou libertar-se da vertigem do seu passado.

Ferreira de Castro desembarcou em Lisboa em 1919, ano em que a central dos sindicatos portugueses, a União Operária Nacional, pouco depois assumida Confederação Geral do Trabalho (CGT), trouxe à luz o seu órgão de imprensa, o diário A Batalha.

Foi um instrumento de divulgação dos ideais anarco-sindicalistas enraizadas, sobretudo, no “comunismo anarquista” de Kropotkine, abriu de imediato as portas ao jovem recém-chegado, que já contava com alguma experiência nesse universo contíguo à literatura – em especial, destaca-se a sua passagem por todas as secções do semanário Portugal, destinado à comunidade lusa de Belém do Pará, que fundou em 1917 e co-dirigiu.

Tanto mais que a sua escrita espelhava naturalmente as ideias libertárias, ideias relevantes do seu modo de ser e estar no mundo, a que permaneceu fiel mesmo nas horas em que a sobrevivência poderia ter ditado o rompimento.

Defensor acérrimo da liberdade individual, anti autoritário, internacionalista anti-militarista, feminista e, inclusive, defensor da comunhão com a natureza, atitude que hoje designaríamos genericamente como ecologista.

Foi visceralmente libertário numa aprendizagem feita por leituras desorganizadas e, estudando algumas obras de sociologia foram, “uma explicação dum mundo que eu sofria, mas não sabia julgar” e por tal revia-se como afeto a Proudhon, a Malatesta, mas principalmente de Kropotkine e assim lutando pelo bem-estar da humanidade, combatente das misérias de qualquer e todo o povo do mundo,

Visto por isso como um Escritor do Proletariado, como o viu Jorge Amado, foi um libertário idealista e idílico, um defensor do comunismo sem governo, uma síntese entre as liberdades económica e política.

E disse de si “…levo como único estandarte vitorioso o orgulho da minha independência; o orgulho supremo de não me curvar perante os homens ou mitos, esse orgulho que só possuem e compreendem as almas verdadeiramente livres, sem nenhum estigma de escravidão.”
Em 1919, regressa a Portugal, e centra a sua atividade no jornalismo, funda a revista A Hora: revista panfleto de arte, atualidades e questões sociais (1922), depois o jornal O Luso, o grande magazine mensal Civilização (1928-1937), colabora com O Diabo e com O Século e edita as suas primeiras obras.

Entre 1923 e 1927 publica várias novelas - que viria mais tarde a renegar - até, em 1928, ao publicar Emigrantes (história de um pobre aventureiro fracassado) se consagrar como romancista numa ficção onde a pesquisa estética é submetida a ideais humanísticos e sociais

Em 1903 publica A Selva, um dos livros portugueses mais traduzidos em todo o mundo, um romance, sobre o drama dos trabalhadores dos seringais na Amazónia numa objetividade quase fotográfica, com muito de reportagem e de situações vivamente descritas.

Com efeito, a publicação de Emigrantes, seguida de A Selva, deu-lhe um êxito extraordinário, no Brasil e noutros países.

Com Terra Fria e A Lã e a Neve, o autor procede a uma nova metodologia de criação romanesca, baseada na observação in loco do meio e problemas sociais que o romance focaliza, para transmitir um mundo rural miserável, à margem da civilização, protagonizado por gente simples e despecuniada.

As dificuldades levantadas pelo fascismo salazarento à livre expressão do pensamento forçam Ferreira de Castro, a abandonar o ciclo romanesco que se propusera para se dedicar às impressões de viagem, dedicando-se, entre 1959 e 1963, à publicação de As Maravilhas Artísticas do Mundo ou a Prodigiosa Aventura do Homem Através da Arte.

Segundo Álvaro Salema, as obras de Ferreira de Castro podem-se alinhar em três grandes categorias: um primeiro ciclo de romances inspirado na "experiência pessoal" e na "observação experimentada", a que correspondem os romances Emigrantes, A Selva, Eternidade, Terra Fria e A Lã e a Neve; os livros de "viajante, empenhado com inteira adesão de vida interior na descoberta e desvendamento da experiência histórica e social da humanidade através das suas expressões multímodas", com Pequenos Mundos e Velhas Civilizações e A Volta ao Mundo; e uma terceira direção que opera uma "inflexão renovada e renovadora para a análise mais complexa e diversificada dos conflitos interiores em equação com realidades sociais e históricas mais vastas", consubstanciada nos romances A Curva da Estrada, O Instinto Supremo e A Missão.

Ferreira de Castro assistiria ao culminar do reconhecimento da sua obra com uma vibrante celebração do seu cinquentenário de vida literária, em Portugal e no Brasil, e com, após a publicação de O Instinto Supremo, em 1968, a apresentação pela União Brasileira de Escritores da candidatura conjunta de Ferreira de Castro e de Jorge Amado ao Prémio Nobel de Literatura.

Esta adesão à obra de Ferreira de Castro é o resultado da admiração de grande número de leitores à atitude de inflexível resistência do escritor, à sua determinação de não compactuar de qualquer modo com o regime, postura manifestada, por exemplo, na decisão de não colaborar com a imprensa portuguesa enquanto vigorasse o regime de censura, no facto de não permitir que nenhuma obra sua fosse adaptada a um cinema financiado pelo Estado ou na adesão a movimentos democráticos.

Recebeu, entre outras distinções, o Prémio Internacional Águia de Ouro do Festival do Livro de Nice e foi eleito, em 1962, presidente da Direção da Sociedade Portuguesa de Escritores.

Sobre Ferreira de Castro escreve o também escritor, ensaísta e crítico literário Eugénio Lisboa, na introdução que fez ao livro de Ricardo António Alves “Anarquismo e neo-realismo. Ferreira de Castro nas encruzilhadas do século”:
«(…) Como Régio, como Aquilino, o autor de A Lã e a Neve foi uma personalidade de uma insubordinável independência, ainda quando aparentemente suavizada por uma fraterna doçura que todavia não se deixava vergar. Oposicionista intemerato ao regime de Salazar, Ferreira de Castro não cedeu nunca, por outro lado – pecado difícil de digerir – ao canto da sereia dos adeptos do partido comunista ou suas adjacências. Anarco-sindicalista convicto, Castro, como admiravelmente documenta Ricardo Alves, neste seu livro precioso, abria-se de modo exemplar, nas suas amizades, a um vasto espectro de outras tendências, mas não abdicava do seu singular ideal libertário. Rejeitando quase instintivamente tudo quanto lhe parecesse atentado à liberdade, tudo quanto «cheirasse» a «demasiado governo», o criador do negro Tiago de A Selva dificilmente se deixaria subjugar por ideários políticos que, no fundo, visavam substituir uma forma de opressão por outra forma de opressão. Isto mesmo, que o deveria tornar um verdadeiro ícon para os que dizem amar a liberdade, terá sido a causa submarina de algum desleixo crítico, de outro modo menos explicável.”»

Obras de Ferreira de Castro

* Emigrantes
* A Selva
* Eternidade
* Terra Fria
* Pequenos Mundos, Velhas Civilizações
* A Tempestade
* A Volta ao Mundo
* A Lã e a Neve
* A Curva da Estrada
* A Missão
* A Experiência
* O Senhor dos Navegantes
* As Maravilhas Artísticas do Mundo (Vol. I)
* As Maravilhas Artísticas do Mundo (Vol. II)
* O Instinto Supremo
* Os Fragmentos -- inclui o romance O Intervalo (póstumo, 1974)
* Sim, Uma Dúvida Basta, teatro (póstumo, 1994)

Obras da Adolescência e Juventude

* Criminoso por Ambição
* Alma Lusitana
* Rugas Sociais
* Mas …
* Carne Faminta
* O Êxito Fácil
* Sangue Negro
* A Metamorfose
* A Boca da Esfinge
* Sendas de Lirismo e de Amor
* O Drama da Sombra
* A Epopeia do Trabalho
* A Morte Redimida
* A Peregrina do Mundo Novo
* A Casa dos Móveis Dourados
* O voo nas Trevas

 

Joffre Justino