A mesma mão que escreveu “Mensagem” traçou, com igual fervor, mapas astrais minuciosos, desenhando os destinos de amigos, políticos e até de si próprio. No silêncio do seu quarto na Rua Coelho da Rocha conviviam lado a lado o papel pautado da poesia e as efemérides astrológicas que comprava em livrarias inglesas de Lisboa.

Pessoa elaborou o seu próprio horóscopo e reviu-o incessantemente, quase como se fosse uma chave hermética para decifrar a sua obra. Nele surgia um Sol em Gêmeos, símbolo da duplicidade e da multiplicação das vozes, uma explicação simbólica para a criação dos heterónimos que tanto intrigaram a crítica. Curiosamente, também anotou a conjunção de Mercúrio, planeta da comunicação, como motor da sua inclinação para a escrita veloz, quase mediúnica.

Entre as curiosidades mais escondidas está o facto de ter traçado o mapa astral de Salazar, figura central do seu tempo. Pessoa, que parecia viver na distância da política prática, dedicou-se a interpretar os astros do futuro ditador, deixando reflexões que permanecem pouco divulgadas. Outro episódio insólito prende-se com a consulta astrológica que fez a respeito da data de publicação de “Mensagem”. Terá escolhido o dia 1 de dezembro de 1934, aniversário da Restauração, não apenas por simbolismo patriótico, mas porque os astros, no seu cálculo, estariam “favoráveis à exaltação de Portugal”.
O poeta cultivava ainda um fascínio pela tradição cabalística e rosacruciana. Nos seus apontamentos manuscritos encontramos a tentativa de relacionar cada heterónimo a um arquétipo zodiacal: Álvaro de Campos seria regido pela turbulência de Marte, Alberto Caeiro pela serenidade de Touro e Ricardo Reis pela contenção de Saturno. Como se não bastasse, Pessoa chegou a tentar prever a morte de amigos próximos, registando datas e comparando a ação dos planetas.
É também pouco conhecido o seu interesse pelos almanaques populares portugueses, onde lia as previsões meteorológicas e agrícolas, cruzando-as com cálculos mais eruditos. Essa mescla entre alta astrologia e cultura popular atravessa a sua obra poética: o céu estrelado não é apenas metáfora, é código oculto.
Entre os papéis dispersos da sua biblioteca pessoal encontrou-se um horóscopo traçado para o rei D. Sebastião, como se Pessoa tentasse, séculos depois, decifrar o destino do monarca ausente e confirmar se os astros justificavam o mito do sebastianismo que tanto lhe inspirou. Esta ligação entre poesia e astrologia mostra como o poeta lia a História nacional à luz das estrelas.
Outro detalhe curioso está nas cartas em inglês que enviava a amigos, onde por vezes inseria pequenas previsões astrológicas sobre acontecimentos mundiais. Numa dessas notas, alude à ascensão da Alemanha nazi como “fenómeno de Saturno”, apontando que a rigidez e a disciplina germânica eram reflexo do planeta que governa a ordem e a limitação. Tal observação mistura política, astrologia e visão poética do mundo, revelando uma mente que nunca compartimentou saberes.
Fernando Pessoa não foi apenas poeta, nem apenas astrólogo. Foi a tentativa de unir ambas as disciplinas numa cosmovisão que não distingue ciência de misticismo. Para ele, cada verso podia ser lido como signo celeste, cada heterónimo como planeta em órbita da sua imaginação. E talvez seja por isso que, ao abrirmos os seus livros, sentimos a estranha vertigem de estar a ler, não apenas poesia, mas o próprio horóscopo da alma portuguesa.
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor
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