Do Joao Almeida Santos

SENTIR COM A IMAGINAÇÃO

O Fernando Pessoa sentia com a imaginação, tarefa imensamente difícil, delicada e até perigosa.  Mas não nos esqueçamos que o poeta é um fingidor, como diz na Autopsicografia.

Como poeta, ele sentia mesmo porque tinha a sensibilidade à flor… da imaginação.

Os poetas são assim.

A sensibilidade é o seu principal órgão cognitivo.

Regista as mais leves vibrações.

Sim, mas ele (pelo menos, o Bernardo Soares) não gostava de tocar a realidade sequer com a ponta dos dedos… a não ser a Ofélia, quando a levava para um vão de escada e se atirava a ela aos beijos.

Fraquezas de um poeta, que sente sobretudo com a imaginação.

Depois, não sei se se arrependia porque isso lhe tolhia os movimentos de imaginação, a liberdade de compor ao ritmo da fantasia.

Não sei se foi por isso que a coisa falhou.

O que sei é que para ele a realidade era uma galeria de arte, via-a com a sua sensibilidade poética como se ela já estivesse pré-ordenada esteticamente.  

Via um rosto como se ele fosse uma pintura exposta na galeria da vida.

Os óculos eram as suas lentes poéticas.

Eles marcavam uma certa distância do real.

Próteses da alma e seu escudo protector.

O Pessoa vivia inteiramente no mundo da poesia.

Mas o Bernardo Soares parece que não, era mais filósofo do que poeta, embora também recusasse essa condição.

Mas, sim, os fragmentos do“Livro do Desassossego” são filosofia e se, como diz Novalis*, “a filosofia é a teoria da poesia” (veja-se Nietzsche, por exemplo), a coisa acaba por fazer sentido.

Sim, é mesmo possível sentir com a imaginação, até mesmo ao nível físico, quanto mais ao nível poético.

João  de Almeida Santos