Até novembro de 2024, 25 mulheres foram assassinadas em Portugal, um número que assombra e exige reflexão. Dessas, 20 casos foram identificados como femicídio, perpetuados em contextos de violência doméstica. O padrão é sempre o mesmo: sinais ignorados, denúncias descredibilizadas, vítimas desprotegidas. Em mais de metade dos casos, as vítimas já tinham pedido ajuda, mas os mecanismos de resposta falharam.
Este flagelo não é apenas uma questão de justiça penal; é um reflexo de uma sociedade que ainda tolera, desculpa e perpetua narrativas de controlo e submissão das mulheres. A frase “Entre marido e mulher não se mete a colher” continua a ecoar, legitimando o silêncio e a impunidade. Este silêncio é cúmplice e letal.
Apesar da tipificação da violência doméstica como crime público há mais de duas décadas, a realidade mostra que o Estado e as instituições ainda não conseguem responder de forma eficaz. Os serviços de apoio às vítimas estão frequentemente mal financiados, e as forças de segurança carecem de formação específica para lidar com a complexidade emocional e psicológica destes casos. As campanhas de sensibilização têm avançado, mas permanecem insuficientes perante uma cultura que normaliza a violência nas relações íntimas.
Além disso, há uma perigosa desigualdade no acesso a serviços de proteção em diferentes regiões do país. Nas áreas rurais, onde a proximidade social amplifica a vergonha e o medo de denunciar, as vítimas enfrentam barreiras ainda maiores. É essencial que o Estado crie estratégias localizadas e adaptadas às diferentes realidades do território.
Mas o femicídio não é apenas um problema de políticas públicas; é uma questão cultural. Enquanto a violência de género não for vista como um problema de todos, incluindo homens, será impossível romper este ciclo. Precisamos de educar as novas gerações sobre igualdade e respeito, ensinando que o amor não é posse e que ninguém tem o direito de controlar ou ferir o outro.
A sociedade portuguesa está perante um dilema ético: aceitar o femicídio como um “dano colateral” da vida moderna ou agir com a determinação de quem entende que cada mulher assassinada é uma falha de todos nós. Como disse Simone de Beauvoir: “Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância.”
A UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta) e outros observatórios têm apelado repetidamente à implementação de medidas mais eficazes, incluindo campanhas de sensibilização que envolvam diretamente os homens na luta contra a violência de género.
Porque este não é um problema exclusivo das mulheres; é uma questão de direitos humanos e dignidade que diz respeito a todos nós.
A sociedade portuguesa deve olhar para estes números como um desafio urgente à sua consciência coletiva. Cada mulher assassinada é uma derrota para todos. Portugal deve fazer mais. Mais para proteger, mais para prevenir e mais para honrar as mulheres que perderam a vida a lutar por uma dignidade que lhes foi negada.
Que cada morte não seja apenas um número, mas um grito de urgência para um país que ainda tem muito por fazer.
Como afirmou Nelson Mandela: “Negar às pessoas os seus direitos humanos é desafiar a sua própria humanidade.” Não podemos continuar a negar o direito à vida e à segurança a tantas mulheres em Portugal.