Do espolio que passará a integrar agora a Casa Museu, proveniente de Portugal, onde morreu em 19 de junho de 2004, constam originais das suas obras e alguns inéditos ainda por publicar, bem como correspondência trocada com escritores e outras personalidades da época.

A Casa Museu contava já com um vasto acervo, incluindo mobiliário e coleções numismáticas e filatélicas, doado em 1983, bem como o próprio edifício, que foi aberto ao público em 1996, inicialmente como biblioteca, e em 2007 já como museu.

“Queremos ter um museu mais ativo e que possa dar a visibilidade merecida a este escritor que tanto fez por Angola", disse à Lusa o diretor da Casa Museu, Sidónio Domingos, agradecendo à família pelo gesto, após vários anos de negociação.

A exposição 'A alma angolana revelada na escrita de Óscar Ribas', integrada nas celebrações do 115.º aniversário do seu nascimento, é hoje inaugurada e prolonga-se até novembro.

 Escritor, poeta, jornalista e ensaísta angolano, Óscar Bento Ribas nasceu no dia 17 de agosto de 1909, na cidade de Luanda, e faleceu a 19 de junho de 2004, em Cascais, filho de pai português, Arnaldo Gonçalves Ribas, e de mãe angolana, Maria da Conceição Bento Faria, viveu também em Novo Redondo, atual Sumbe, Benguela, Ndalantando e Bié. e publicou a sua primeira obra, "Nuvens que passam", aos 18 anos.

Após ter concluído os estudos primários em Luanda, frequenta então o Seminário e conclui o quinto ano no Liceu Salvador Correia de Luanda.

Posteriormente a uma estadia em Portugal, onde frequentou um curso comercial, foi funcionário público na Direção dos Serviços de Fazenda e Contabilidade de Luanda.

“Quando fui para o Liceu Salvador Correia tinha já concluído o segundo ano das cadeiras de francês e inglês, que eram do seminário, aí as lições eram diárias e eram duas horas por dia, fiquei com grandes conhecimentos, eu com o segundo ano do Seminário de francês, sabia tanto como um aluno do sétimo ano de Liceu”.

Em 1923, uma vez concluído o 5º ano, parte para a terra natal do seu progenitor, Guarda, Portugal, em companhia dos pais onde estuda aritmética comercial, de regresso a Angola ingressa para o funcionalismo público, trabalhando na Fazenda, onde acaba por largar o emprego, em virtude do pai ter sido colocado em Novo Redondo, actual Sumbe, província do Kwanza Sul.

Em 1926, seu pai é novamente transferido para Benguela.

Aquando da sua estadia em Benguela, com apenas catorze anos de idade, começou a sentir os primeiros sintomas da cegueira que o viria a afetar total e definitivamente vinte e dois anos mais tarde.

Óscar Ribas acompanha a família para as terras das “acácias rubras”, integrando-se e participando no meio social benguelense, vivendo e aprendendo a realidade (cultural) vivida e sentida por suas gentes e culturas.

Pelo agravamento de uma doença congénita, retinite pigmentaria, apenas trabalhou cinco anos, e acabou por perder a visão aos 36 anos, passando o seu irmão a registar para o papel aquilo que ele ditava.

Do reviver da experiência benguelense, onde o convívio com os diversos extractos sociais, particularmente gente menos favorecida nasce “Ecos da minha terra/dramas angolanos”, em 1952.

Da vivência no planalto de Benguela conta em entrevista a Michel Laban: “...Lavadeiras, cozinheiras, criados... E lá estava eu a dançar com eles. Isto tudo fez-me bem porque contactei directamente, não me afastei. Enfim gostava”. De resto, vivência com gente humilde, depositários fiéis dos “usos e costumes” do seu povo que animavam o seu projecto estético- literário, o que só viria a ser vantajosa para a sua actividade de escritor, de recolha etnográfica e de recriação do imaginário angolano, particularmente da região Kimbundu, sua zona de origem.

O falecido professor Manuel Ferreira, um dos mais destacados divulgadores das literaturas africanas de língua portuguesa, na sua obra “Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa” (Ática, 1987) teceu os seguintes comentários:
“A sua longa carreira de escritor veio a bipartir-se na investigação etnográfica ou etnológica, que é das mais fecundas de Angola, e na ficção. Acontece, porém, que toda a sua obra romanesca é repassada pela intervenção de etnógrafo, facto que, do ponto de vista das exigências da estrutura literária, não favorece muitos dos seus textos ficcionais dada a marcada e persistente intenção de explicar, antropologicamente, determinados tipos de comportamento social, de carácter profano ou mítico. Seja como for, a sua obra literária, como Uanga, não deve ser ignorada. E bem destacada deverá ser ainda a sua obra de etnólogo, exemplo, e bem rico, para o conhecimento do angolano que sofreu a assimilação ou a aculturação”.

Ainda a propósito da sua obra de escritor e etnógrafo, o professor Pires Laranjeira escreve: “Óscar Ribas é um narrador que se apropriou das tradições orais em kimbundo, e também da sociedade crioulizante, sobretudo da região de Luanda, e as transformou em histórias (contos, romance) com sabor etnográfico, permanecendo como um documentalista dos dramas angolanos da gente negra, ao modo dos primeiros livros de Castro Soromenho”. Pires Larangeira sublinha ainda que “Cordeiro da Mata”, Óscar Ribas, Geraldo Bessa Victor e Castro Soromenho dedicaram-se a estudar e recolher elementos do saber africano das regiões que melhor conheceram. O Óscar Ribas permaneceu como um documentador de tradições minguantes, optando por um estilo popular, bastante oralizado, como que tocado pela imperfeição, na linha de António de Assis Júnior e, depois da independência, de Uanhenga Xitu, que se opõe, de certo modo, ao conceito de literatura de tradição escrita ocidental. O narrador é sempre um documentador que conhece bem o que relata, mas que se sente algo distanciado das tradições residuais ou dos atavismos que observa e transmite.”
Considerado como o fundador da ficção literária angolana moderna, no seguimento de Assis Júnior, o autor deu os primeiros passos da sua atividade no campo das letras, publicando, em 1927, Nuvens que passam e, dois anos mais tarde, em 1929, Resgate de uma falta.

Em 1948, o escritor lançou 'Flor de Espinhos', já depois de ter perdido a visão por complicações de saúde, aos 36 anos, e em 1951 edita o que Sidónio Domingos apresenta como "primeiro romance folclórico angolano", Uanga - Feitiço, que lhe mereceu na altura a Menção Honrosa da Agência-Geral do Ultramar (Agência Geral das Colónias), entidade do Estado dedicada a comunicação e propaganda do império colonial português, incluindo concursos literários.

No total, Óscar Ribas publicou 17 obras em que ilustra as suas preocupações com questões etnográficas, as vivências culturais e a preservação da identidade angolana, adiantou o responsável da Casa Museu, salientando também o seu trabalho de recolha das tradições orais.  

Depois de vinte anos sem editar, Óscar Ribas surpreendeu os seus leitores com o livro Flores e Espinhos, publicado em 1948, o qual, juntamente com dois novos títulos publicados em 1950, Uanga, e em 1952, Ecos da Minha Terra, constituem, de acordo com alguns estudiosos da área das Literaturas Africanas, a segunda fase de publicações do autor.

O romance Uanga constituiu-se como um relato da sociedade luandense da época (finais do século XIX), onde se apercebem os traços caracterizadores do seu folclore, das suas superstições, da sua oralidade, da sua gastronomia e das suas formas de relacionamento.

Denotando uma preocupação extrema com a pesquisa, conservação e registo das tradições do seu país, o autor debruçou-se sobre temas de literatura oral, filologia, religião tradicional e filosofia dos povos de língua Kimbundu.

Estas temáticas iriam, então, alicerçar e enformar o conjunto da sua obra, constituída pelos seguintes títulos: Nuvens que passam (1927) - novela; Resgate de uma falta (1929) -novela; Flores e Espinhos (1948); Uanga (1950); Ecos da Minha Terra(1952); Ilundo - Espíritos e Ritos Angolanos (1958 e 1975); Missosso (3 volumes, 1961,1962 e 1964); Alimentação Regional Angolana (1965); Izomba - Associativismo e Recreio (1965); Sunguilando- Contos Tradicionais Angolanos (1967 e 1989); Kilandukilu - Contos e Instantâneos (1973); Cultuando as Musas (1992) - poesia; Dicionário de Regionalismos Angolanos.

Escritor prestigiado nos meios literário nacionais e internacionais, membro da União de Escritores Angolanos (UEA), Óscar Ribas foi galardoado com diversos prémios, a saber: Prémio Margaret Wrong (1952); Prémio de Etnografia do Instituto de Angola (1959); Prémio Monsenhor Alves da Cunha (1964).

Foi também homenageado com os seguintes títulos: Membro titular da Sociedade Brasileira de Folk-lore (1954); Oficial da Ordem do Infante, título concedido pelo governo português (1962); Medalha Gonçalves Dias pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (1968); Diploma de Mérito da Secretaria de Estado da Cultura (1989).

Antonio Sendim