O antropólogo e docente da Universidade de Coimbra, Gonçalo D. Santos, foi um dos investigadores convidados a integrar a primeira grande publicação coletiva do Grupo de Investigação “Cultura e Sociedade”, uma iniciativa da Georgetown University dedicada ao diálogo EUA-China sobre questões globais.

O livro, publicado pela conceituada Columbia University Press, intitula-se “The Extraordinary in the Mundane. Family and Forms of Community in China” e explora as transformações morais da sociedade chinesa com uma abordagem íntima e profundamente etnográfica.

Docente no Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) e investigador do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde (CIAS), Gonçalo D. Santos apresenta um estudo sobre as "guerras culturais do parto" na China — um tema de intensa relevância no atual contexto de globalização acelerada e profundas mutações tecnológicas e sociais.

"O nosso objetivo é contribuir para um entendimento mais aprofundado e mais humanizado da sociedade chinesa, muito além dos discursos monolíticos que habitualmente a imprensa internacional veicula", explica o investigador, sublinhando a importância de compreender as dinâmicas morais da vida quotidiana das pessoas comuns.

No seu capítulo, Santos analisa criticamente a hiper-medicalização do parto nas últimas décadas na China, fenómeno que, embora tenha contribuído para uma redução significativa da mortalidade maternal e infantil, resultou num modelo excessivamente clínico e tecnocrático que levanta novos desafios éticos e sociais.

Um dos aspetos mais singulares da realidade chinesa, segundo o autor, é o papel central da família na decisão médica: antes de realizar uma cesariana, os médicos devem obter o consentimento escrito da família da mulher grávida. Este triângulo ético-jurídico — grávida, médico e família — reflete valores culturais profundamente enraizados e revela tensões geracionais sobre o cuidado, as tecnologias e as abordagens mais apropriadas ao parto.

“Estas decisões morais, aparentemente privadas, são na verdade arenas de debate social e familiar. A família, longe de ser um mero apoio emocional, é vista como uma entidade jurídica e ética essencial ao bem-estar da mulher”, observa o autor.

A publicação conta com contribuições de outros nomes de referência nos estudos chineses, como Yunxiang Yan (UCLA), Richard Madsen (UC San Diego), Becky Hsu (Georgetown) e Teresa Kuan (Chinese University of Hong Kong), que coordenam a obra. Os temas abordados vão desde os direitos da comunidade LGBTQ+, passando por questões de saúde mental, até à dependência digital entre os mais jovens — traçando um retrato atual e multifacetado da China urbana e rural.

Gonçalo D. Santos defende que abordagens etnográficas qualitativas são indispensáveis para captar a complexidade moral destas transformações e para promover um modelo mais humanizado de cuidado hospitalar. O seu trabalho, embora ancorado na realidade chinesa, ecoa preocupações globais sobre o equilíbrio entre tecnologia médica, autonomia da mulher e valores culturais.

Este livro constitui uma contribuição única para a literatura académica internacional e é recomendado a todos os interessados em antropologia, bioética, saúde reprodutiva e transformações socioculturais contemporâneas.

O volume está disponível para aquisição no site da editora Columbia University Press.
Mais informações sobre o Grupo de Investigação “Cultura e Sociedade” podem ser consultadas no site da Georgetown University Initiative for U.S.-China Dialogue on Global Issues.


📚 “O que é moralidade senão o modo como escolhemos viver juntos?”
— Michael Sandel, filósofo político norte-americano.