A exposição acontece num momento crítico para a humanidade, quando a crise do meio ambiente começa a colocar em cheque a sua própria existência. Pois, como se sabe, a guerra entre a natureza e o homem parece ter chegado a um momento de impasse. Ou enfrentamos com responsabilidade as mudanças climáticas ou estamos sujeitos aos mais dolorosos castigos da natureza. Lamentavelmente, assim não entende uma série de líderes políticos mundiais, capitaneados pelo presidente da maior potência econômica do planeta, os quais sabotam todas as iniciativas racionais, indispensáveis e urgentes, em defesa do meio ambiente e do combate às causas dos perigos climáticos que nos cercam.
Muitos fotógrafos, do Brasil e do mundo, no ritmo do senso comum e da consciência humanitária, têm se dedicado a registrar o processo das mudanças climáticas e da destruição da natureza mundo afora, com suas consequências dramáticas para a vida. As terras esturricadas, a destruição de biomas, o abate descontrolado de florestas, o aumento acima do normal da temperatura e suas consequências na flora e na fauna, assim como, paralelamente, a fome aumentando nas regiões mais pobres do planeta. Sem destoar do mesmo caráter contestatório desses profissionais, Barral parece ter se desviado propositalmente da linha acima. Tem plena consciência da necessidade do apoio da arte aos clamores em defesa do meio ambiente, mas parece perseguir um caminho próprio e inverso: mostrar a beleza oculta da natureza. Não seria esta também uma forma de defendê-la? No dia em que a beleza da terra for destruída, perderemos o sentido de viver. O título do livro e da exposição é bastante emblemático a este respeito: “Enquanto existe azul”. Sim, o azul está ameaçado. Vamos admirar a sua beleza infinita para entender porque é preciso preservá-lo e salvá-lo.
Então Barral se debruça a captar as preciosas formações que se escondem pela natureza afora, nos matagais, nas restingas, nas águas dos rios e do mar, nas folhagens verdes ou secas, nos espelhos de água sombreados e ondulantes dos riachos, nas formações rochosas, nos espectros da ação do próprio vento na natureza. Não lhe interessa, ou pelo menos não é a tônica de seu trabalho, as paisagens à distância, com suas imagens já tão batidas e repetidas. Nem tampouco as fotos figurativas, que já possuem seus defensores tradicionais, embora não as tenha descartado em trabalhos anteriores . O que mais lhe interessa são os detalhes, as – digamos assim – partículas dispersas do mundo natural. Ele aproxima a câmera da imagem que lhe desperta a curiosidade, quase tocando-a, faz o enquadramento e a registra, às vezes de vários ângulos. O resultado – e isso o observador logo sentirá – é a descoberta de um caleidoscópio natural. Sabe Barral que a folhagem multicolorida de um cipoal rico e diversificado num recanto sombreado à beira de um regato “fluifin” (como dizia Guimarães Rosa), produz sobre suas águas tremulantes uma profusão de pinturas abstratas, cuja inestimável beleza está cheia de mistérios e evocações nem sempre percebidas a olho nu. Então poderíamos dizer que Barral é um caçador dessas abstrações. Depois ele as traz para o nosso convívio e o nosso deslumbramento.
Sua abordagem inovadora foge completamente das práticas convencionais da arte fotográfica. Não apenas como ferramenta de reflexão e de conscientização no que tange à sustentabilidade do processo produtivo, como na fusão estética de dois tipos de arte: a fotografia e a pintura. Quem olha uma de suas fotografias sem conhecer o histórico profissional do autor, não deixará de pensar que se trata da foto de uma pintura abstrata.
Mas deixemos que o próprio Barral fale sobre a sua obra:
"Quando fotografo a natureza, me entrego a sua desorganização luxuriante. A estética das minhas fotos é a estética da Natureza, da biodiversidade, de tudo que cai na terra ou nas aguas e se transforma em adubo para renovar a vida, e do curso do sol, trazendo para as aguas a sua paleta de cores. Meu foco são os detalhes do reflexo do entorno, dos movimentos da aguas e do que resta do azul. Abracei fragmentos nas aguas, como um único universo, o objetivo da minha foto. É sempre o todo pequeno de um pedaço, que enlouqueceu o meu olhar. "
Não é à-toa que Barral tomou como base de seu trabalho atual as extensas águas e as altas margens da bacia do São Francisco, o nosso “velho Chico” tão sofrido e magoado.
Promete Barral trazer sua exposição a Portugal, queiramos nós que na Fundação Gulbenkian. Fiquemos esperançosos. Feliz daquele que puder gozar do encantamento de vê-la e de refleti-la.
CARLOS EDUARDO VILLARES BARRAL
EXPOSIÇÃO: “ENQUANTO HOUVER AZUL”
CURADORIA: DIÓGENES MOURA
VERNISSAGE: 12 DE FEVEREIRO DE 2025
MUSEU DE ARTE DA BAHIA - 17H
DE 12 DE FEVEREIRO A 30 DE MARÇO de 2025
LIVRO: “ENQUANTO EXISTE AZU”L, 260 pag, Editora Pimenta Cultura, São Paulo. F
Paulo Martins, Editor Cultural