Não há nada mais triste do que um Presidente da República a fazer de comentador de si mesmo. Aliás, talvez haja: um Presidente que, em vez de arbitrar, faz de líder de claque.

E é exatamente isso que assistimos com Marcelo Rebelo de Sousa, que, em relação ao PSD, se esquece que a função presidencial exige mais do que sorrisos para a câmara e abraços no meio da rua.

A cereja no topo do bolo? O espetáculo deprimente de "pena democrática" que Marcelo nos ofereceu a propósito da rejeição do Orçamento Regional da Madeira. "Teria sido mais fácil para o futuro da região haver um Orçamento aprovado", disse ele, com um ar de quem acabou de ver o seu clube perder a final. Ora, por que será que não aplicou o mesmo raciocínio quando, em 2021, não hesitou em chamar o país inteiro para eleições antecipadas depois do chumbo do Orçamento de Estado do PS? Memória curta? Não, não se trata de memória curta. Trata-se de uma memória seletiva.

Quando se tratou do governo do PS, Marcelo mal conseguiu esperar pelo fim das contagens dos votos na Assembleia. Subiu ao púlpito, pomposo e grave, e anunciou de imediato: "Eleições antecipadas!". E, de seguida, o festival mediático das TV’s encomendadas.

Agora, no caso da Madeira e do PSD, o tom muda. Não há pressa, não há "crise política", não há alarme. “Vamos aguardar”, diz ele com uma serenidade digna de quem está a contemplar o pôr-do-sol na Praia Formosa.

Que conveniente, não é? Para o PSD, o relógio para. Para o PS, acelera-se o tempo político. A "legitimidade democrática" agora é uma questão de "pena" e "compreensão", mas quando o tema era António Costa, a única opção era cortar o mal pela raiz — de preferência, com eleições pelo meio.

E o que dizer da comparação oculta (ou nem tanto) com o seu velho amigo Alberto João Jardim? Sim, esse mesmo. O homem que, durante décadas, fez da Madeira um feudo político com requintes de "rei-sol". Marcelo, numa espécie de revivalismo nostálgico, parece querer evocar o "espírito jardinista" ao lamentar a rejeição do orçamento, como se se tratasse de uma questão de herança divina.

E, claro, quando a crítica é ao PSD, o silêncio dos "media institucionais" é ensurdecedor. Onde está a manchete a pedir “demissão já”? Onde estão os editoriais inflamados e as exigências de “coerência” e “responsabilidade institucional”?

É este o Presidente que nos prometeram como “moderador”? Um "comentador profissional" que só se lembra da Constituição quando lhe convém. Que a lê com lupa para uns e com óculos escuros para outros. Marcelo, o "Presidente de Todos os Portugueses", mas só nas fotos de campanha.

Na prática, já não é sequer o Presidente de si próprio, é apenas o porta-voz oficioso do PSD, com toques de "velho do Restelo" e laivos de "tia ofendida" em almoços de domingo.

Chega a ser patético ouvir a sua análise mansa sobre a Madeira, com aquele ar de “avô preocupado” que, no fundo, não passa de um teatro barato. A sua indignação de 2021 evaporou-se.
Agora, a palavra de ordem é "calma", "ponderação" e "legitimidade democrática", como se todos fôssemos um bando de tolos sem memória.

Se a coerência ainda valesse alguma coisa, Marcelo teria duas opções: ou pede a demissão e faz um pedido de reforma antecipada, como qualquer funcionário que já não tem condições para cumprir o cargo, ou, no mínimo, pedia desculpa ao país pela farsa que foi a sua atuação no caso do chumbo do Orçamento de Estado de 2021.
Mas, claro, pedir coerência a Marcelo é o mesmo que pedir a um camaleão que mantenha a mesma cor no meio de um arco-íris.

O que resta? Um Presidente descredibilizado, transformado num ator secundário do PSD e numa figura que deixou de ser árbitro para ser parte interessada no jogo. E nós? Nós, povo português, assistimos ao espetáculo, impotentes, enquanto as "TVês" institucionalizadas fazem de caixa de ressonância deste circo.

É caso para perguntar: e sobre a Madeira, há quem chore… mas será que ainda há quem tenha vergonha?