Se eu estivesse no PCP, desconfiaria da súbita e ostensiva paixão de João Miguel Tavares. Mais do que um caso de admiração literária, trata-se de um fenómeno político que merece ser colocado à prova — e a Constituição da República merece ser lembrada.

Terminadas as autárquicas — em que o PCP perdeu 11 câmaras municipais e ganhou em 4, mantendo em Lisboa uma postura fiel a si próprio — aproximam-se agora as Presidenciais. É um calendário que impõe reflexão.

Temos razões para ter uma simpatia particular por António Filipe, mas não podemos esquecer aquele que ainda é primeiro-ministro e que recordou com toda a frontalidade: a Direita detém o Governo (incluindo o PM), a Assembleia da República, várias regiões e o poder local — conquistas eleitorais que não são inocentes. E, sim, falharam nas europeias. Isso não deve ser varrido para debaixo do tapete, como se fosse uma irrelevância que João Miguel Tavares parece ignorar com olimpíca despreocupação.

Se a Direita vencer as Presidenciais com toda esta hegemonia institucional, terá nas mãos o argumento — e os meios políticos — para perseguir o seu principal objetivo: atacar e eventualmente eliminar a actual Constituição da República. É esta hipótese concreta que deveria pôr todas as esquerdas em alerta máximo.

As esquerdas, quer o PCP quer outros partidos e movimentos, têm o dever de resistir aos joguinhos comunicacionais. Não podem, de forma alguma, ceder à tentação de se deixarem enredar em cenas bem ensaiadas que só servem para fragmentar o campo progressista. Daqui às Presidenciais, aposto que meios e aparelhos comunicacionais alinhados com a direita irão, deliberadamente, «apaparicar» o PCP com o objectivo claro de o enfraquecer e, assim, facilitar a derrota de candidatos, como António José Seguro que representam uma alternativa real à direita.

Para o bloco político dominante, tanto faz se o candidato presidencial é um almirante, um burocrata ou outro figura; o essencial para eles é erradicar as esquerdas de qualquer posição de poder. O passo seguinte, e talvez definitivo, é avançar para a alteração profunda — ou mesmo a substituição — da Constituição, considerada pelos conservadores como um entrave ao seu projecto político.

Pergunto: vamos permitir que isto aconteça sem ao menos discutir, aberta e seriamente, a solução da Unidade Possível e Necessária à esquerda? Será que aceitamos, passivamente, que a estratégia comunicacional da direita dite o calendário político e nos imponha derrotas sucessivas?

O desafio é claro: preparar uma resposta estratégica, política e comunicacional que ultrapasse lógicas de curto prazo e egoísmos partidários. A esquerda tem de debater e construir, agora, uma estratégia de unidade pragmática — capaz de proteger os valores democráticos consagrados na Constituição e de apresentar uma alternativa real nas Presidenciais. Sem isso, corremos o risco de assistir à desmontagem lenta, mas eficaz, das conquistas republicanas que nos definem.