De gerações diferentes, a portuguesa Paula Rego (1935-2022) e a brasileira Adriana Varejão (nascida em 1964) têm em comum a técnica impecável utilizada em trabalhos esteticamente bem resolvidos e também profundamente engajados na crítica social e em questões políticas muito atuais, como a violência contra a mulher, o colonialismo, o autoritarismo, a repressão, o direito da mulher gerir o próprio corpo e a sexualidade como força transformadora.
O encontro entre as duas artistas já havia acontecido em 2017 em uma exposição na Carpintaria, espaço da Galeria Fortes D’Aloia & Gabriel no Rio de Janeiro, ainda em vida da artista Paula Rego. Tive a oportunidade de visitar esta mostra, que já trazia o impacto da interação entre os trabalhos das artistas, e constato que este impacto é multiplicado na atual exposição, não só pela quantidade dos trabalhos, cerca de 80 obras, entre pinturas, gravuras, esculturas e instalações, mas entre os diálogos renovados que a curadoria e a expografia constroem entre obras e poéticas.
Estes diálogos se estabelecem por contraste, por similaridade, por temas, em jogos inteligentes e que não entregam tudo pronto. A força da exposição é tal que somos como mordidos pelos dentes das artistas e do poema. Ossos e carnes, que também aparecem no poema e nas obras, ao lado de azulejos, feridas e mulheres doloridas, invadem a mente do espectador, que se sente com as entranhas expostas e é instigado a rever a exposição mais e mais vezes. Em dias lindos como neste maio em Lisboa, os jardins da Fundação Gulbenkian são perfeitos para relaxar as retinas e com a visão interior continuarmos elaborando as questões que as artistas nos colocam de forma tão bonita e contundente.
Serviço:
“Entre os vossos dentes”, Paula Rego e Adriana Varejão
CAM – Centro de Arte Moderna – Fundação Calouste Gulbenkian
www.gulbenkian.pt/cam
De 11 de abril a 22 de setembro de 2025
Jozias Benedicto
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