O jornalista Jamil Chade, correspondente internacional e especialista em Vaticano, revelou documentos inéditos do Departamento de Estado norte-americano que comprovam uma ação contínua e estruturada dos EUA no seio da Igreja Católica, com particular foco na eleição papal e no combate à influência da esquerda no interior do Vaticano.
Desde 1958, ano do conclave que elegeu o Papa João XXIII, os EUA mantêm canais diretos com a Santa Sé, procurando moldar alianças políticas através do Vaticano. Um dos documentos citados mostra que a embaixada americana em Roma aconselhou Washington a estabelecer uma “estratégia positiva de influência” junto do novo Papa, considerando o Vaticano um ator-chave na luta ideológica contra o comunismo. Essa relação estreitou-se ainda mais com o pontificado de João Paulo II, conhecido aliado dos EUA durante a Guerra Fria.
Contudo, segundo Chade, essa aliança não se esgotou no passado. Os documentos revelam que a interferência americana é mais profunda, duradoura e estratégica do que se imaginava, envolvendo influências indiretas, apoio a determinadas linhas ideológicas e articulações que ultrapassam os corredores religiosos.
Durante o pontificado de Francisco, as tensões intensificaram-se. A ala conservadora da Igreja, especialmente nos EUA, acusou o Papa de heresia, contestando abertamente posições progressistas sobre divórcio, sexualidade e justiça social. Entre 2015 e 2017, figuras como o cardeal Raymond Burke lideraram movimentos que denunciaram o Papa Francisco como um “desorientador da fé”, revelando uma crise interna de grande magnitude.
Estas movimentações prepararam o terreno para o conclave que agora se avizinha. Ao contrário do que muitos pensam, a escolha do Papa não começa no momento da votação. “As articulações políticas estão em curso há semanas”, revela Chade. Reuniões estratégicas entre cardeais, almoços discretos e trocas de mensagens compõem o verdadeiro palco onde as alianças são costuradas.
Num cenário global marcado pela ascensão de extremismos, o catolicismo norte-americano ultra conservador, próximo do ideário de Donald Trump, surge como força influente. Cardeais americanos, políticos católicos ligados à Casa Branca e até orações em coletivas de imprensa mostram o grau de penetração desta corrente no discurso institucional.
Chade alerta para o risco de candidatos de países em desenvolvimento serem instrumentalizados como “fachadas progressistas” que, na prática, obedecem a interesses conservadores norte-americanos. “Escolher um africano ou latino-americano não garante uma agenda progressista”, adverte.
A eleição do novo Papa poderá determinar o rumo da Igreja Católica num mundo em transformação. Para os progressistas, Francisco simbolizou uma abertura à inclusão, à justiça social e ao diálogo. Para os conservadores, significou perda de poder e privilégio. A escolha que se aproxima não é apenas teológica: é profundamente política.
O conclave de 2025 poderá ser o mais decisivo desde a viragem do século. E, como mostram os documentos agora revelados, a Capela Sistina poderá continuar a ser o palco não só de fé, mas também de geoestratégia.