Para resolver este conflito entre o Estado indiano e a vontade das populações as Nações Unidas 47 do Conselho de Segurança, adotada em 1948, que previa a realização de um referendo no território para que as populações fizessem ouvir a sua voz no sentido de permanecer ligadas ao Estado indiano ou integrar-se no Estado paquistanês. Contudo a potência ocupante, a Índia, ainda não promoveu esse referendo. É tempo de o fazer. As populações querem ser ouvidas, merecem ser ouvidas. É o seu direito mais básico e elementar.
Recorde-se que em 2020 o secretário-geral da ONU, o nosso compatriota António Guterres numa intervenção muito assertiva, apelou à implementação das resoluções do Conselho de Segurança. Nesse ano visitou o UNMOGIP, um grupo de observadores militares desarmados que desde 1949 supervisiona o cessar-fogo entre a Índia e o Paquistão na zona de Caxemira. Antes, em 2019, Guterres apelara à máxima contenção entre os dois países e enfatizou que o conflito deve ser resolvido através de meios pacíficos que garantam os direitos da população.
Geopolítica acoplada ao conflito
Naturalmente existem fatores estratégicos e geopolíticos em jogo em Caxemira. Desde logo o acesso a um bem essencial: a água. Depois a importância do território como elo essencial da rota de ligação terrestre entre a Ásia e a Europa.
Em fases mais agudas do conflito a Índia cortou o curso do rio Indo, crucial para o abastecimento de água ao Paquistão, escalando o conflito para níveis inaceitáveis de uso de um recurso elementar para a vida de milhões de paquistaneses. O rio Indo é essencial para a abastecimento e para a agricultura quer do Paquistão quer de vastas regiões da Índia.
Génese histórica do conflito
A Índia colonial britânica incluía um conjunto de chamados estados principescos em que o domínio britânico se fazia através de príncipes hindus ou muçulmanos que usavam títulos tradicionais como o de Maharaja, Sultão, Emir, Rajá, Nizam e outros. Todos faziam parte da chamada Índia Britânica. Estes estados vassalos representavam cerca de 40% do território e 25% da população na altura da independência da Índia e do Paquistão. Eram mais de 500 estes principados dominados pelo Reino Unido. No período de preparação do fim do colonialismo local ficou acordado que cada principado decidiria a qual dos dois novos países desejava pertencer.
O principado de Jammu e Caxemira era um dos maiores da Índia britânica e em 1940 exibia uma população superior a 4 milhões de pessoas. E apesar da maioria da população do principado ser muçulmana (77%) o Maharaja era hindu da etnia Dogra. O Maharaja Ranbir Singh, não se decidiu. Em face desta hesitação os muçulmanos revoltaram-se. Nesse momento o Maharaja pediu ajuda aos britânicos para conter a população. Estes assim o fizeram mas com a condição do Maharaja optar pela Índia. Os ingleses pretendiam e conseguiram criar um foco de conflito entre os dois novos países que lhes permite intervir e manter alguma influência.
Nesta sequência de acontecimentos dá-se a primeira guerra entre a Índia e o Paquistão que termina com a ocupação do Jammu e Caxemira pelas tropas indianas apoiadas pelos ingleses. A guerra durou entre 1947 e dezembro de 1949, sendo o cessar-fogo regulado pela Resolução do Conselho de Segurança que aludimos acima e que prevê o referendo para a resolução final do conflito.
Depois desta primeira guerra seguiram-se mais três guerras entre os dois países: a segunda entre 1965 e 1966, a terceira, motivada pela independência separatista do Bangladesh em 1971-72, e a quarta em 1999. A ascensão a potência nuclear quer da Índia quer do Paquistão levou a uma acalmia militar mas não à resolução da questão de Caxemira, cuja população continua a sofrer a indesejada ocupação militar indiana.
Jorge Fonseca de Almeida
Economista, MBA.