Historicamente, as primeiras manifestações carnavalescas no Brasil remontam ao período colonial, através de uma brincadeira de origem portuguesa que, na colônia, era praticada sobretudo pelas camadas populares - o entrudo. Nela, as pessoas saíam às ruas sujando umas às outras, jogando lama e líquidos, mantendo seu caráter de zombaria. Apesar de popular, o entrudo não agradava grande parte da elite brasileira. Enquanto a brincadeira era reprimida nas ruas, a elite do império criava os bailes de carnaval em clubes e teatros.
Mesmo diante das dificuldades, as classes populares não desistiram de tomar as ruas com suas práticas carnavalescas. No final do século XIX, mesmo sob repressão policial, foram criados os cordões e ranchos. Nessa mesma época, surgiram as marchinhas de carnaval, com destaque para a figura de Chiquinha Gonzaga e sua composição "o abre alas".
Ao longo do século XX, o carnaval popularizou-se ainda mais e conheceu uma diversidade de formas de realização. No estado da Bahia, criaram-se os afoxés, cujo objetivo era relembrar as tradições culturais africanas. O frevo passou a ser praticado no Recife e o maracatu ganhou as ruas de Olinda
No ano de 1928, a “Deixa Falar” surgiu para se tornar a primeira escola de samba do Brasil, mas foi somente em 1932 que aconteceu o primeiro desfile com disputa entre as escolas de samba, vencido pela Mangueira. Em Salvador, em 1950, surge o trio elétrico, tendo como precursores os músicos Dodo e Osmar. E assim o carnaval foi assumindo sua heterogeneidade e tomando-se a maior festa de rua do país.
Entretanto, para além das fantasias, adereços, purpurinas e paetês, o Carnaval tem figurado, ao longo do tempo, como espaço para reflexão política. A apropriação das ruas pelos foliões, no Brasil, representa um movimento continuo e dinâmico de recriação de estratégias de reivindicações sociais. Mais do que isso, no carnaval, o direito das classes populares à cidade se estende, se amplifica, e as fronteiras entre o público e o privado são flexibilizadas. A transformação da rua, um ambiente impessoal e hostil, em lugar de festa, torna-se uma forma de resistência as intempéries sociais, políticas e econômicas.
Talvez por isso, a festa se mostre como um potencial espaço reivindicatório, onde questões relevantes são postas sob o respaldo da irreverência e do lúdico. Se se posicionar nas vias públicas já é, em si, ação de resistência, enchê-las de arte e, sobretudo, de liberdade, inverte seus sentidos e objetivos e torna-se ação política.
A transgressão à ordem estabelecida e o combate a opressão compõem a trajetória de resistência que permeia o Carnaval. Se na Primeira República a população negra utilizou o carnaval para afirmar sua autonomia, hoje, os blocos e escolas trazem à baila temas importantes da agenda social, como o sexismo, o racismo, a intolerância religiosa, a LGBTfobia e outras lutas populares, numa clara demonstração de que o carnaval é coisa séria!
Carolina Rodrigues
Historiadora e Psicanalista