Nesta semana, inicia-se no Brasil aquele que é popularmente conhecido no país como “o maior espetáculo da Terra”. Entre os dias 28 de fevereiro e 4 de março, o Carnaval, a festa da alegria, tomará conta das ruas e dos corações dos brasileiros e dos milhares de turistas que chegam ao país para a festividade.

   O Carnaval, na forma como entendemos hoje, tem sua origem na Europa de fins do século XI, mas, de acordo com alguns estudiosos, recebeu forte influência de festas que existiam na Antiguidade. Apesar de o secularismo presente no Carnaval, a comemoração é tradicionalmente ligada ao catolicismo, uma vez que mantém conexão direta com o jejum quaresmal. No Brasil, a incorporação de várias influências culturais ao longo do tempo conservou a pluralidade da festa popular, que adquire características singulares de acordo com as regiões do país.

     Historicamente, as primeiras manifestações carnavalescas no Brasil remontam ao período colonial, através de uma brincadeira de origem portuguesa que, na colônia, era praticada sobretudo pelas camadas populares - o entrudo. Nela, as pessoas saíam às ruas sujando umas às outras, jogando lama e líquidos, mantendo seu caráter de zombaria. Apesar de popular, o entrudo não agradava grande parte da elite brasileira. Enquanto a brincadeira era reprimida nas ruas, a elite do império criava os bailes de carnaval em clubes e teatros.

     Mesmo diante das dificuldades, as classes populares não desistiram de tomar as ruas com suas práticas carnavalescas. No final do século XIX, mesmo sob repressão policial, foram criados os cordões e ranchos. Nessa mesma época, surgiram as marchinhas de carnaval, com destaque para a figura de Chiquinha Gonzaga e sua composição "o abre alas".

      Ao longo do século XX, o carnaval popularizou-se ainda mais e conheceu uma diversidade de formas de realização. No estado da Bahia, criaram-se os afoxés, cujo objetivo era relembrar as tradições culturais africanas. O frevo passou a ser praticado no Recife e o maracatu ganhou as ruas de Olinda

     No ano de 1928, a “Deixa Falar” surgiu para se tornar a primeira escola de samba do Brasil, mas foi somente em 1932 que aconteceu o primeiro desfile com disputa entre as escolas de samba, vencido pela Mangueira. Em Salvador, em 1950, surge o trio elétrico, tendo como precursores os músicos Dodo e Osmar. E assim o carnaval foi assumindo sua heterogeneidade e tomando-se a maior festa de rua do país.

     Entretanto, para além das fantasias, adereços, purpurinas e paetês, o Carnaval tem figurado, ao longo do tempo, como espaço para reflexão política. A apropriação das ruas pelos foliões, no Brasil, representa um movimento continuo e dinâmico de recriação de estratégias de reivindicações sociais. Mais do que isso, no carnaval, o direito das classes populares à cidade se estende, se amplifica, e as fronteiras entre o público e o privado são flexibilizadas. A transformação da rua, um ambiente impessoal e hostil, em lugar de festa, torna-se uma forma de resistência as intempéries sociais, políticas e econômicas.

     Talvez por isso, a festa se mostre como um potencial espaço reivindicatório, onde questões relevantes são postas sob o respaldo da irreverência e do lúdico. Se se posicionar nas vias públicas já é, em si, ação de resistência, enchê-las de arte e, sobretudo, de liberdade, inverte seus sentidos e objetivos e torna-se ação política.

      A transgressão à ordem estabelecida e o combate a opressão compõem a trajetória de resistência que permeia o Carnaval. Se na Primeira República a população negra utilizou o carnaval para afirmar sua autonomia, hoje, os blocos e escolas trazem à baila temas importantes da agenda social, como o sexismo, o racismo, a intolerância religiosa, a LGBTfobia e outras lutas populares, numa clara demonstração de que o carnaval é coisa séria!

 

Carolina Rodrigues

Historiadora e Psicanalista