Justino recordou que o autor de Os Lusíadas foi mitificado pelos republicanos como herói nacional, sobretudo com a atuação de Teófilo Braga em 1880, quando o terceiro centenário da sua morte foi transformado num ato de mobilização republicana. No entanto, o diretor do Estrategizando propõe que se vá além da apropriação nacionalista de Camões, e se reconheça o homem do mundo que foi: aventureiro, errante, apaixonado, marginal e multicultural.
“Luís Vaz de Camões é um poeta que se reflete no mundo da língua portuguesa e que se expõe por via das suas viagens e das suas vivências no espaço asiático, africano e europeu. É um cidadão do mundo.”Uma das passagens mais marcantes do seu comentário prende-se com a reinterpretação contemporânea da vida do poeta. Justino destacou, sem tabus, a tese defendida por alguns investigadores e artistas de que Camões terá vivido uma relação íntima com Jau, o seu escravo e companheiro, que chegou a esmolar nas ruas de Lisboa para que ambos pudessem sobreviver. Esta perspetiva humaniza e complexifica a figura do poeta, retirando-o do pedestal mitológico e colocando-o no plano das contradições e afetos da condição humana.
O 10 de Junho deste ano trouxe uma novidade que, Joffre Justino considerou “quase revolucionária”: pela primeira vez, as comemorações apresentaram Camões como cidadão do mundo, e não apenas como ícone do nacionalismo português. Palavras como as de Lídia Jorge, que lembrou que “não há cidadãos puros em Portugal”, e do próprio Presidente da República, marcaram uma viragem simbólica na forma como o país se vê e se narra.“Portugal é um espaço mestiço, de sete cantos e sete culturas, não um país europeu puro.
É um país que nasceu da fusão, do encontro, da mistura — e é nisso que reside a sua riqueza.”Esta visão contrastou fortemente com a presença do líder da extrema-direita, André Ventura, visivelmente desconfortável durante a cerimónia. Para Joffre Justino, os “cheganos” vivem num sonho ultrapassado, presos a uma ideia estática e retrógrada de identidade nacional. Comparando-os ao “Velho do Restelo”,
Justino acusa-os de recusarem o reencontro da humanidade na sua pluralidade e de não compreenderem o país onde vivem.Portugal além da EuropaNum tom crítico mas afirmativo, o diretor do Estrategizando recordou que o jornal tem sido uma das vozes mais consistentes a defender que Portugal não é apenas um país europeu, mas sim um país global, mestiço, multicultural — um país da CPLP e dos sete cantos do mundo.
E é essa a herança mais profunda de Camões: não a de um poeta da glória imperial, mas a de um homem que viveu entre culturas, amou entre fronteiras e escreveu para uma humanidade plural.
“O 10 de Junho deve ser, acima de tudo, uma celebração da mestiçagem, da cidadania e da fraternidade entre os povos que falam português.”Com esta visão crítica e transformadora, o Estrategizando volta a afirmar-se como uma plataforma de pensamento livre, enraizada nos valores da liberdade, igualdade e fraternidade, colocando-se ao lado de uma nova geração que reivindica um país mais justo, mais diverso e mais verdadeiro.
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Veja aqui a mensagem de Joffre Justino, diretor do Estrategizando-Séc. XXI