Apesar disso, mesmo não levando o troféu, AINDA ESTOU AQUI já é vitorioso sob muitos aspectos. A própria indicação para concorrer ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro já foi uma vitória. Mesmo que não fosse, já havia se tornado um dos filmes mais elogiados e assistidos da história de nosso cinema, tendo ultrapassado os 3 milhões de expectadores; e continuará sendo visto por muito tempo. O cinema brasileiro saiu engrandecido do episódio: pela primeira vez os holofotes internacionais ressaltaram uma figura extraordinária do nosso cinema, uma atriz de peso que é a Fernanda Torres, para não falar no diretor Walter Salles Júnior, que também faz história.
O filme é baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens Paiva, e conta a história desse ex-deputado do PTB, cassado no golpe de 1964, sequestrado por militares em sua casa, no Rio, em janeiro de 1971, barbaramente torturado e assassinado dentro do quartel onde funcionava o DOI-Codi, o centro de torturas da ditadura, tendo o seu cadáver sido ocultado e até hoje não localizado. Sua mulher, Eunice Paiva, que no episódio ficou presa por 12 dias, nunca mais teve notícias do marido. Os militares alegavam que ele tinha fugido para Cuba ou que havia sido sequestrado e morto pelos próprios companheiros.
Somente em 1996, 25 anos depois dos fatos, Eunice Paiva conseguiu obter a certidão de óbito do marido. E somente em 2012, após 41 anos de luta pela elucidação do caso, descobriu-se uma prova de que Rubens Paiva foi morto nas dependências do DOI-Codi: uma ficha que atestava sua entrada naquela unidade. Enquanto isso, seu suposto assassino, o general da reserva José Antônio Nogueira Belham continua solto e levando uma vida folgada, com proventos de 35 mil reais, tendo, inclusive, recebido o título de Marechal pelos serviços prestados à pátria. Eis a razão porque tantos militares brasileiros continuam atentando contra a democracia: jamais são punidos pelos seus crimes.
A trajetória de Rubens Paiva é pouco conhecida pela sociedade, por maior que tenha sido a sua divulgação pelas entidades de defesa da anistia e dos direitos humanos. As novas gerações pouco ouviram falar dele e de seu martírio. Por essa razão particular, o filme é de uma importância política extraordinária, narrando uma história verdadeira e visceral para o conhecimento das atrocidades cometidas pela ditadura. Em particular porque desmascara o argumento de que os militares se limitaram a perseguir “terroristas”, “subversivos”, “assassinos” “guerrilheiros” e “assaltantes de banco”. Rubens Paiva não era nada disso. Era um engenheiro, empresário de sucesso, grande construtor e uma pessoa humana extraordinária. Tinha uma bela família, uma esposa (Eunice Paiva) que amava e cinco filhos, vivendo todos na mais completa harmonia. Mas, naquela época, era suficiente ser de esquerda, ser solidário, ser defensor dos direitos humanos ou ter apoiado o presidente João Goulart para ser criminalizado. Então, agora fica mais fácil perceber as raízes dessa tragédia familiar e política, transformada em um empolgante filme.
A importância da obra torna-se ainda maior pelo incidente que envolveu o ex-presidente Bolsonaro. Em 2014, quando foi inaugurado o busto de Rubens Paiva na Câmara dos Deputados, homenageando o ex-parlamentar trabalhista, o então obscuro deputado federal Jair Bolsonaro ressurgiu das sombras e, diante de todos os familiares do homenageado ali presentes, inclusive esposa e netos, deu uma cusparada no busto descerrado. Esta infâmia marcou para sempre o caráter truculento e hediondo desse político parasitário que lamentavelmente acabou eleito Presidente da República. Mas que, felizmente, hoje encontra-se inelegível, aguardando uma ordem de prisão, bufando de raiva pelas vitórias excepcionais de AINDA ESTOU AQUI. O ignóbil sempre repete que “Rubens Paiva teve o que merecia”.
Quanto a Fernanda Torres, vale lembrar a marca histórica de sua atuação no cinema e no teatro: a maioria de suas participações possui um forte apelo político, que tem dado uma contribuição histórica fundamental à mobilização da sociedade brasileira. Desde O QUE É ISSO, COMPANHEIRO ela parece estar comprometida com a busca da verdade e com a educação de nossa juventude. Por isso, será homenageada pelo presidente Lula, que vibrou com a sua extraordinária vitória.
Viva Fernanda Torres!
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Paulo Martins, editor cultural