Tanto contra os defensores das ideias de João de Castro, Borja Santos ou do Ribeiro, em 1921-22 e de António Spínola em 1974, como contra afinal quem até hoje se calou sobre o ter ou não instrumentalizado tudo e todos em nome da «independência total e completa», cujos resultados estão à vista: a necessidade de destruir tudo para retornar à construção da Angola histórica em novos moldes. Mas ainda na Filosofia política, podia reflectir sobre as démarches que desencadeou o antigo colega de Liceu de Agostinho Neto, desde 1972, no que todos conhecíamos como Estado de Angola. Ou do que não está em nenhum documento -suponho eu ! - sobre a conversa desse antigo colega de Agostinho Neto com o Chefe da Oposição Democrática em 1972 (momento-chave onde é o MPLA quem pretende unir-se à FNLA, onde é a UNITA que estreita as relações «diplomáticas» com o Poder Imperial no Leste de Angola). Onde, de forma indirecta, estecomunicou em tempo útil a necessidade de impôr a democracia representativa – mesmo com as ligações feitas com o movimento de libertação - como o mais adequado modo de veicular interesses e sentimentos dos aderentes à conquista da nacionalidade. Ilusão completa ao de repente ser definido como «velho ultrapassado», ser aceite conjunturalmente por parte de adversários políticos e voluntários à sua instrumentalização por«amigos» próximos, definido a seguir «madeirense marxista apoiante do MPLA». Tempo longo ou curto consoante o modo de análise, mas que 50 anos depois não mudou as mentalidades sobre quem instrumentaliza quem e o quê?
Podia olhar tudo o que aconteceu em Angola nos últimos 50 anos, a partir de uma perspectiva ligada aos poderes mundiais, e olhar os resultados de um fraccionismopolítico-militar imposto pela lógica de que «temos de ser nós a fazer o que tem que ser feito». Porque só pode haver lógica e racionalidade se se tiver em conta que não foi por acaso que a Angola do Carlos Pacheco e do José Milhazes foi o «princípio do fim da União Soviética», nem tão pouco foi o momento de MikailGorbatchov e camaradas deixarem de ser comunistas para passarem a ser social-democratas.
Não!!! Ser de facto definido como comunista não pode ser diferente do julgamento que se faz a quem é definido como democrata cristão. Se há gente que vai à Missa semanalmente e depois é apologista do um radical liberalismo económico – e o poder da informação assim os aceita! - ,tem que se aceitar que um comunista possa deter posses, estar no mercado capitalista, e não desista das suas ideias.
E não ser discriminado pelo «jogo» liberal que sem vergonha mantêm o seu negócio político, ao tentar insultar quem, apesar de se «adaptar» á realidade, continua a pretender mudá-la. Ora em 50 anos na Angola, 1.º, quem triunfou em nome do leninismo não era em número mais do que os dedos das duas mãos de um humano; 2.º, quem triunfou antes de ter falado com quem dialogou em Janeiro de 1974 com Nito Alves, andou antes a conversar com o antigo colega de A. Neto, integrado num processo que iria culminar, segundo parece, numdia 15 de Agosto, via a independência – não recusada por uma parte das Oposições – de fazer a ruptura política e depois falar com os movimentos de libertação, do ponto de vista militar totalmente derrotados; e 3.º, quem triunfou utilizou como base social de apoio e como triunfo militar, quem apoiou a independência total e completa.
Porquê? Porque a mentalidade anti-comunista primária veiculada bem antes pelo Poder imperial português - um autoritarismo de direita cristão (católico e protestante) – de facto impregnou-se no tecido social de Angola. E não foi a estadia de cubanos e soviéticos durante 15 anos que a alterou. Daí o compreender que tenha havido democratas que recusaram uma democracia assente na anarquia de procedimentos; e leninistas que se autodefiniram como incapazes de liderar um partido pos-1990-92. E noutro patamar, daí o compreender que Vladimir Putin, tenha querido com o conhecimento de Angela Merckl e de outros, tão só fazer na Ukrâniae noutros locais, o que franceses, portugueses e outros fizeram via descolonizações: mesmo sem eles próprios o quererem, querer recolher os «seus», contra os «libertadores» que, como minoria cultural, quiseram impingir a independência total e completa.
Também podia abordar a perspectiva interessante que é a da nomenclatura, da linguagem utilizada. Ficando por um único exemplo entre os muitos que há: a questão da expressão«colonialismo». Porquê? Porque globalmente o Poder Imperial construído de modo «organizado» em África pos-1884-85 em Berlim foi isso mesmo. Poder imperial. Através de imigrantes definidos como colonos.
Por «entrarem» nesses espaços sociais …«por cima»? Ora, no caso de Angola, Gastão de Sousa Dias e Orlando Ribeiro o disseram. A colonização de Angola foi um fracasso e os portugueses emigraram em pequenos grupos ou individualmente. Muitas vezes – quanto mais longe no tempo o fizeram – se cafrializando, mas, como em toda a transição para o capitalismo via violência, no caso com apoio estatal, não deixaramdepois de protagonizar e liderar a mudança.
Ora há um Poder imperial que pouco mais faz que formalismos de linguagem, com respostas até veiculados na segunda metade do século XIX, como o colonialismo inglês é melhor que o que os portugueses fazem na prática. Assim, se foram os súbditos desse Poder quem executou o tráfico e depois organizou o capitalismo, via violência e açambarcamentos, mais legitimidade tinham os seus descendentes para incorporar a angolanidade.
Porque é que isso não aconteceu quando, 50 anos depois, o Poder em Angola quer que «os portugueses» voltem a fazer o que fizeram depois de 1961? Mas…a ideia continua a mesma?
II
Não escolhi uma perspectiva em particular. Preferi apenas sinalizar algumas delas. As lutas de libertação são infinitas e vão continuar a existir ao longo dos séculos. Podem ser individuais e por isso não duram mais que um século, pelo menos nos últimos decénios; podem ser de grupo social, de etnia, de côr da pele, de «raça» e no caso duram o período de existência do grupo, da classe, camada ou segmento, até as relações sociais de produção e troca mudarem estruturalmente. M
as… quanto à «raça», à côr da pele e à etnia, a percepção volta a ser a de decénios, séculos, até por vezes com a sensação de que tais lutas são infinitas. Mas quando em relação a Angola comecei a ouvir falar em luta de libertação, quer tenham gostado ou não os que entraram na luta armada contra o «colonialismo», reapareceu um bloco social e político de angolenses e colonos e outras minorias que se manteve articulado ao Poder imperial e se recusou objectivamente à luta armada de libertação.
Porque era gente com consciência da fase nacionalista que não podia virar-se contra si próprio, até contra o regime e contra o sistema implantados. E houve um grupo político que, com decénios de luta interna contra o regime, foi reduzido hipòcritamente em meia dúzia de dias à submissão «rácica» ao poder do«nacionalismo revolucionário» incluindo angolenses que – não poucos - «visitavam» umas vezeso Governo Geral a fim de «discutir a situação».
Estes, passaram a ser nacionalistas, os outros passaram oficialmente a ser «um problema dos portugueses». Uns ajudaram a construir Angola, os outrostambém, mas parte deles nunca deixaram de ser «lambe botas» do Poder imperial. O Chefe dos primeiros foi definido por jovens militantes do MPLA nos anos 60 - influenciados por «mais velhos» – assim: «não aceitamos discutir a questão nacional» porque «o teu Pai é amigo dos colonos».
É aqui que aparece a outra dimensão. Porque a questão nacional não é só Poder conquistado, é também de cidadania comum. Para mim, era englobar explorados e discriminados, a luta era deles e a gente só podia ajudar, não se devia imiscuir, a não ser…solicitado. Mas o que meu Pai me ensinou foi outra coisa: que tivesse muita atenção a outro plano e que eu nunca me equivocasse. Se a luta de libertação da «raça», da côr da pele, da etnia, era legítima, era um direito, não podia esquecer-me da questão no imediato, o de se aproximar ràpidamente um acontecimento único na vida de cada cidadão que se agrega a um país económico, um espaço social, um Poder político único: o da independência. Ora, porque qualquer cidadão ao viver no mesmo lugar onde nasceu, desde que de pequeno passou a aí viver, ou até desde que passou a «olhar para os passarinhos e para as flores» passou a gostar desseterritório, convivendo ou não, muitas vezes sem dar por isso, passou a ter sentimentos pela terra e até contra gentes com quem conviveu, de quem se quis aproximar ou não, via novas relações de produção e condições sociais dominantes. A consciência de que havia território que nos eraa todos comum ou não?
Em suma, uma coisa é uma luta de libertação que pode ser diferente e de graus muito diversos, outra coisa é a independência de um Estado, de um espaço social, de um país dependente? Sim! Sem qualquer dúvida. As lutas de libertação -mesmo as que incluem até «proletàriamente» exploradores ediscriminadores de origem – do ponto de vista teórico e menos do ponto de vista da acção política, integram o acontecimento único, conjuntural, que não é passível de esquecimento para quem nutre de facto sentimento por uma terra, que é a independência político-jurídica e uma Libertação nacional.
Desse modo, por mais discordância possa haver sobre a relação de todas as gentes face a uma só terra, manda a razão que a independência nacional como momento único foi preterida pelo que se chamou a «independência total e completa».
Momento alto caso se tivesse sido levada à letra, incorporado na necessária e urgente independência burguesa dos anos 70, até na base daquela premissa de Amílcar Cabral de que «a nossa luta é uma contribuição para a luta do povo português». Mas momento absolutamente ultra-Liberal, de pequeno grupo que colocou «acima de tudo» uma Luta de Libertação legítima mas…particular ou até individual? Sim! Ou ainda momento de insulto à Humanidade em nome de um Karl Marx aos pulos dentro do caixão a ouvir que: «nós éramos independentes, deixámos de o ser…e passámos a sê-lo em novos moldes»?
Sim! 50 anos depois a razão política está a funcionar. Mas a razão social, para nós os que estamos vivos ainda hoje, tal razão não se concretizará na prática. Os dias de hoje são de interesse em exclusivo e de realismo surreal(!). Para uns, proclamação e comemoração. Um direito. Mas a constatação, para outros, de que o «momento único», a reconciliação e sentimento «colectivo» em definitivo…se foi!
Eugénio Monteiro Ferreira