Ninguém segura o carnaval do Brasil. Nem todos os seus sabotadores modernos reunidos conseguem abalar sua tradição e suas estruturas.

Porque o Carnaval é antes de tudo um grito de alegria e um grito de liberdade. E, lembrando Chico Buarque, é também um grito de esperança. A esperança

Que gente longe viva na lembrança

Que gente triste possa entrar na dança

Que gente grande saiba ser criança

Para o Carnaval “só não vai quem já morreu”, parodiando Caetano Veloso. Porque mesmo aqueles que estão sofrendo, passando por dificuldades, vivendo na pobreza ou até na miséria, sabem que podem “deixar a dor em casa esperando” enquanto se embrenham numa multidão esfusiante, num Carnaval que promove o esquecimento e ressuscita a felicidade. Ao menos por alguns dias. Quatro dias mágicos. Às vezes cinco. Às vezes até mais. Suficientes, na ilusão popular, para redimir o sofrimento de um ano inteiro. Pois no Carnaval, todos podem ser reis. Vinícius já cantava

          A felicidade do pobre parece

          A grande ilusão do carnaval

          A gente trabalha o ano inteiro

          Por um momento de sonho

          Pra fazer a fantasia

          De rei ou de pirata ou jardineira

          E tudo se acabar na quarta-feira

Essa ilusão, na verdade não dura somente alguns dias, mas acompanha o folião o ano inteiro: nos preparativos para o Carnaval; nos ensaios dos blocos e escolas de samba; no cantar do enredo da escola ou do bloco preferido; no torcer pela agremiação de sua predileção; no compasso da espera do dia mágico: “Tou me guardando pra quando o carnaval chegar”.

A alguém que viesse do exterior ao Brasil pesquisar e escrever sobre o nosso Carnaval, surgiria, tão logo, uma evidência: a avalanche de cultura e de história que ele carrega embutido em suas manifestações. Ou seja, Carnaval é cultura e tradição puras, na sua mais refinada e popular expressão. Se tomarmos, por exemplo, os enredos das grandes escolas de samba deste ano, verificamos que em sua totalidade eles se baseiam em histórias e mitos de nossos antepassados, oriundos dos ritos da negritude e da cultura indígena. Tudo aquilo que os inimigos do Carnaval, capitaneados pelo ex-presidente Bolsonaro e seus seguidores detestam, e fariam tudo para impedir, porque odeiam a cultura popular. É absolutamente certo que, se o golpe de Estado tivesse dado certo, nosso Carnaval começaria com muitas censuras, principalmente dos blocos que fizessem menção ao filme Ainda estou aqui, vencedor do Oscar de melhor filme internacional e, nos próximos anos,  talvez a proibição do próprio Carnaval, por ser festa profana indesejável à extrema direita. Como imaginar que chegássemos a esse ponto? Um filme que conta a história de um assassinato atroz, praticado por facínoras da ditadura, ser relembrado internacionalmente e virar tema de denúncia no maior Carnaval de rua do mundo?

O fato é que a conquista do Globo de Ouro de melhor atriz e do Oscar de Melhor Filme Internacional alçou Ainda estou aqui, do cineasta Walter Salles, à condição de maior aliado do Carnaval de 2025. Blocos, torcidas organizadas, músicas temáticas compostas e cantadas Brasil afora, nas ruas ou em salões especialmente organizados para isso, duplicaram a alegria dos foliões e patrocinaram a reconquista de nosso orgulho, fortalecendo nossa esperança e o sentimento de soberania de nosso heroico povo, que jamais aceitará a batuta da tirania. A politização do Carnaval não é um fenômeno novo. No entanto, este ano ela foi potencializada. Porque veio numa embalagem cultural, como soe ser com o próprio Carnaval.

Estamos vivendo hoje o clima imaginado por Chico Buarque em seu samba Apesar de você. As pessoas se ergueram, não olham mais para o chão e nem cantam samba no escuro. Chegou a claridade, a alegria, o sentimento de superação, de vitória, de avanço, de um passo à frente abraçando o espírito coletivo. E aqueles que tanto perseguiram o nosso povo no passado, estão à beira de ser julgados. Vão todos eles pagar dobrado, cada lágrima rolada de nosso penar.