Os peritos da ONU dizem que “os desafios orçamentais são mais severos em África, onde o custo em crescimento rápido de servir a dívida está, cada vez mais, a afastar recursos essenciais para os serviços públicos e o investimento” em áreas que potenciam o desenvolvimento económico.
A média de pagamentos dos juros da dívida em percentagem das receitas fiscais em África chegou a 27% no ano passado, aumentando significativamente face aos 19% registados em 2019 e aos 7% em 2007, demonstrando o impacto que a dívida crescente tem nas opções políticas dos governos africanos.
Alguns destes países, incluindo Angola, têm de gastar mais de 25% da sua receita para servir os juros da dívida, lê-se no relatório, divulgado na mesma altura em que uma outra análise da Organização Não-Governamental Debt Justice aponta Angola como o país do mundo em que uma maior percentagem da receita (66%) é usada para pagamento de dívida.
Angola vai ter de pagar 6,2 mil milhões de dólares (5,9 mil milhões de euros) em 2025, representando 5,2% do PIB, e 5,4 mil milhões de dólares (5,1 mil milhões de euros) em 2026, representando 4,2% do PIB, o que compara com os 5,4 mil milhões de dólares que o país pagou em 2024, diz a Fitch Ratings numa análise recente à economia angolana, apresentando estes valores como o total de dívida que será paga nestes anos, que inclui os juros e os pagamentos na maturidade dos empréstimos.
“As experiências recentes de protestos no Quénia e na Nigéria devido a aumento de impostos e dificuldades económicas mostram o delicado equilíbrio que os decisores políticos têm de garantir entre fortalecer a sustentabilidade orçamental e evitar medidas que dificultem ainda mais as finanças das famílias e a estabilidade social”, escrevem os economistas da ONU no relatório sobre a situação económica em África.
A cooperação multilateral e os esforços globais são essenciais para aliviar o fardo do serviço da dívida em muitas economias em desenvolvimento, acrescentam, concluindo que “expandir o acesso a financiamento concessional, iniciativas coordenadas internacionais para alívio da dívida e o fortalecimento de mecanismos globais para facilitar a reestruturação da dívida podem expandir significativamente o espaço orçamental para estes países investirem no desenvolvimento sustentável de longo prazo”.
Ha no entanto que acrescentar o que afirmam os autores do livro "No rasto da fuga de capitais de África", que investigou a saída de dinheiro de três países do continente, entre eles Angola.
Os mesmos descrevem o sistema de impunidade dos paraísos fiscais, que inclui corporações internacionais mas também escritórios de advogados e consultoras, e que corrói as economias e as democracias destes países.
Recordemos que Angola com 60 mil milhões USD é terceiro país em África na fuga de capitais
a fuga de capitais equivale a "quase metade dos 200 mil milhões USD" que os países africanos necessitavam para lidar com "os custos socioeconómicos da pandemia da Covid-19, para além dos gastos de emergência em saúde", lia-se no relatório da Conferência das Nações Unidas Sobre o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD),de entao.
A lista era liderada pela África do Sul, que surgia destacada com 346 mil milhões USD seguida da Nigéria, com 137 mil milhões, e em terceiro Angola, de 1986 a 2015 viu "fugir" capitais na ordem dos 60 mil milhões USD.
O relatório, denominado "Combater os Fluxos Ilícitos de Capital para um desenvolvimento sustentado em África", contabiliza, no caso de África do Sul, 81 mil milhões USD em facturamento adulterado das exportações líquidas da prata e platina (24 mil milhões) e do ferro (57 mil milhões), de 2000 a 2014; 198 mil milhões USD em fuga de capitais, de 1970 a 2015; e 67 mil milhões USD, de 2013 a 2015, em gaps na balança comercial.
Em relação à Nigéria, o relatório reparte os 137 mil milhões USD detectados em dois itens: 89 mil milhões USD em facturamento adulterado de exportações e importações de petróleo, de 1996 a 2014; e 48 mil milhões USD em gaps na balança comercial, de 2013 a 2014.
Os fluxos financeiros ilícitos, definidos como "trocas de valor entre fronteiras, monetários ou de outra forma, que são ilegalmente obtidos, transferidos ou usados", custam aos países africanos "cerca de 50 mil milhões USD por ano, superando a quantidade de ajuda oficial ao desenvolvimento que o continente recebe anualmente", sublinha Mukhisa Kituyi, secretário-geral da UNCTAD, no preâmbulo do relatório de 248 páginas.
A fuga de capitais de Angola representará anualmente, cerca de sete por cento do Produto Interno Bruto (PIB), mais de 2,5 mil milhões de dólares.
Já o director do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola, Alves da Rocha, durante a apresentação do livro “Fuga de Capitais e a política de desenvolvimento a favor dos mais pobres em Angola”, disse que o dinheiro que sai anualmente de Angola, de forma ilícita pode representar o PIB de muitos países africanos a sul do Sahara.
O especialista referiu que se a fuga de capitais fosse travada permitiria uma redução directa anual de 2,11 por cento na taxa de pobreza.
“Isto tem reflexos. Se é capital que sai, vai alimentar outras economias, vai gerar empregos noutros países, quando nós também precisamos de investimento, de gerar emprego e distribuir melhor e mais rendimento a quem de facto está em níveis de sobrevivência”, afirmou Alves da Rocha.
A publicação agora lançada reúne artigos de investigação de nove académicos, entre angolanos, africanos, europeus e sul-americanos, e discute temas como a fuga de capitais e a redução da pobreza, o papel e a participação dos bancos na fuga de capitais, a corrupção, além do regime jurídico angolano em matéria de fuga de capitais.
https://www.voaportugues.com/amp/angola-fuga-de-capitais-e-alarmante/2509523.html
Esta fuga ilícita de capitais de Angola pode ter chegado a 2,2 mil milhões de euros por ano entre 2008 e 2011. O valor é 157 vezes maior que os 14 milhões de euros estimados no ano passado pelo Ministério angolano das Finanças e representa aproximadamente sete por cento do Produto Interno Bruto do país.
Os números constam de um estudo baseado em dados internacionais e apresentado pelo diretor do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola, Alves da Rocha.
À DW-África, o professor disse que é difícil precisar as origens do dinheiro, mas que entre as possibilidades comuns ao continente africano estão "sobrefaturação das importações, subfaturação das exportações, corrupção, má governação, instituições públicas fracas e a organização do sistema bancário".
O destino são países desenvolvidos, principalmente os europeus e os Estados Unidos. Caso a saída do dinheiro fosse contida, haveria uma redução na pobreza em Angola:
"É um investimento que não se faz porque o capital foge de Angola. Havendo o incremento do investimento, haveria seguramente o incremento do PIB e do PIB por habitante, e por uma série de encadeamentos nós poderíamos ter resultados positivos na redução da pobreza", explica Alves da Rocha.
Indiretamente, redução da pobreza poderia chegar a 4% caso os recursos fossem investidos em África
No exterior, os valores formam fortunas, que passam a pertencer a oligarquias em detrimento da população.
Representante da Transparência Internacional em Portugal, Paulo Morais salienta que a fuga dos recursos está diretamente ligada à corrupção:
"O poder angolano é autocrático, é o poder de uma elite que vive à volta do presidente, e a quem o presidente vai distribuindo benesses à custa quer dos recursos do orçamento do Estado, quer dos próprios recursos naturais de Angola. Parte desses capitais são transferidos para o estrangeiro para acumular riquezas obscenas, ao mesmo tempo que, em Angola, as crianças morrem na rua e temos o segundo nível de mortalidade infantil do mundo. Há uma discrepância inadmissível", avalia.
O problema não é exclusivo de Angola. Segundo o estudo não oficial, a África perdeu para o exterior cerca de 680 mil milhões de euros entre 1970 e 2008. As informações foram analisadas por nove académicos e estão publicadas no livro "Fuga de Capitais e a política de desenvolvimento a favor dos mais pobres em Angola".
https://amp.dw.com/pt-002/fuga-de-capitais-de-angola-pode-ser-157-vezes-maior-que-a-declarada-pelo-governo/a-18045062