Para se compreender o acordo é necessário ter uma perspetiva do embate entre o Hamas e Israel e a envolvência regional e até internacional.

Os acontecimentos de 7 de outubro há dois anos impediram a celebração dos acordos de Abraão patrocinados pelos EUA, o que significava a oficialização de Israel como parceiro no mundo árabe, deixando cair a pressão de isolamento de Israel na região. E mostraram a força do Hamas.

Israel que alegou ter sido surpreendido (com os melhores serviços secretos do mundo) desencadeou uma ofensiva brutal para capturar os reféns, expulsar os habitantes de Gaza, liquidar o Hamas e o eixo da resistência à ocupação. Trump juntou-se a Natanyahu e projetou construir em Gaza uma instância balnear, uma Riviera trumpiana e Cª.

Para levar a cabo a sua política Netanyahu bombardeou durante dois anos uma faixa de terreno exígua com a sua poderosa aviação e arrasou Gaza. Pela fome tentou matar os palestinianos. O saldo são cerca de 67 00 mortos e centenas de milhar de feridos e malnutridos, ao rés do perigo de vida. Tem sido considerado por organismos da ONU um genocídio.  

Não conseguiu derrotar o Hamas, nem libertar um único refém.

Recorda-se que o Hamas foi criado em dezembro de 1987quando teve lugar a Intifada iniciada a 09/12/1987. Teve o apoio dos Irmão Muçulmanos e da então Conferência Popular arabo-islâmica com movimentos reconhecidos pela Organização Internacional dos Irmãos Muçulmanos, in “Com Alá ou com Satã”, páginas 145,6 de Domingos Lopes e Luís Sá, Editora Campo das Letra.

Quanto ao eixo da resistência, Israel tentou mudar o regime iraniano. Bateu num paredão e retirou, pois, os mísseis iranianos mostraram (mesmo sem imprensa, interdita pela democracia israelita) as fragilidades do escudo de aço. Em certos momentos parecia uma peneira. A correr pararam a guerra. Tanto quanto se sabe o programa nuclear prossegue.

As sucessivas invasões do Líbano atingiram duramente o Hezbollah, mas longe, bem longe de o aniquilar.

Em relação ao Iémen Israel assassinou vários dirigentes do topo da hierarquia, mas nunca conseguiu impedir que fosse atacado por mísseis.

Na opinião pública mundial, o isolamento de Israel nunca foi tão grande a ponto de aliados seus na Europa, sob a pressão das opiniões públicas, terem sido obrigados a reconhecer o Estado palestiniano, como forma de aliviar e esvaziar essa pressão que se tornava cada vez mais forte.

Deve referir-se que o apoio da UE a Israel atingiu tal significado que foi publicada legislação a reprimir o direito de manifestação de solidariedade, tentando utilizar certas manifestações radicalistas para as tentar fazer confundir com o imenso rio humano de apoio à causa palestiniana.

Acrescente-se que nos regimes árabes vizinhos nem uma manifestação teve lugar. O que diz bem da sua postura nesta guerra. Se estivessem com a Palestina, Israel não teria chegado onde chegou.

De facto, Israel e outros países árabes e muçulmanos conseguiram derrotar Assad e entregar a Síria a um islamista, ex-dirigente da Al Qaeda, que com os seus donos estão a esmagar outras comunidades sírias – druzos, aluitas, cristãos maronitas, curdos – e rendeu-se a Israel.

A Cimeira de Charm-el-Sheik visa retomar este interregno de dois anos e avançar para o estabelecimento de relações entre Israel e o mundo árabe sob o alto patrocínio dos EUA e pelos vistos dos líderes europeus… a vassalagem é para cumprir.

Na mente dos EUA o projeto visa enfraquecer as relações da Rússia e da China na região e fazer enfraquecer os BRIC na região dado que a Arábia Saudita e os Emiratos fazem parte, bem como o Irão.

A ir por diante significaria uma divisão de peso nos BRIC e um isolamento do Irão em termos regionais.

 O desafio para Trump é isolar o Irão e atingir deste modo a Rússia e a China.

Quem resistiu a este inferno de metralha e fogo provavelmente poderá resistir a novas provas. São precisas pausas em todas as lutas. A marcha para a independência da Palestina está em curso. Vai haver quem a queira impedir, muitos dos que estão em Charm-el-Sheik. Outros que lá não estão vão continuar a apoiar a causa palestiniana. Vai ser difícil.

A provação dos palestinianos está a ser muitíssimo dura. Se estivessem unidos tudo seria mais fácil, mas todo o mundo árabe e muçulmano tem lá os seus instrumentos a fim de poderem jogar a sua influência própria, mais do que pela independência. Não é só Israel que teme a Palestina. Uma Palestina laica, democrática é também temida pelos países árabes e muçulmanos. O povo palestiniano é dos mais instruídos e combativos, nunca esquecer. Com a solidariedade internacional acabará por vencer.

Tudo o que parece ser, nem sempre é.