Um homicídio que levanta questões sobre atuação policial e racismo estrutural

 

O Ministério Público (MP) acusou, esta quarta-feira, um agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) pelo crime de homicídio no caso da morte de Odair Moniz, ocorrida em outubro no bairro da Cova da Moura, Lisboa.

A acusação vem acompanhada do pedido de suspensão de funções do agente enquanto decorre o processo, além da proposta de uma pena acessória de proibição do exercício de funções.

Este caso levanta importantes questões sobre a atuação policial em Portugal, a violência nas periferias urbanas e o papel da justiça na regulação do uso da força pelas autoridades.

O que aconteceu na madrugada de 21 de outubro?

Segundo a versão oficial da PSP, Odair Moniz, um cidadão cabo-verdiano de 43 anos e residente no Bairro do Zambujal, Amadora, fugiu ao avistar uma viatura policial e acabou por despistar-se na Cova da Moura. No momento da abordagem, o homem teria resistido à detenção e tentado atacar os agentes com uma arma branca, o que levou o polícia agora acusado a disparar. Odair foi levado para o Hospital São Francisco Xavier, onde morreu pouco depois.

Contudo, esta versão foi contestada por diversas organizações, nomeadamente a SOS Racismo e o movimento Vida Justa, que exigiram uma investigação “séria e isenta”, alegando que este caso reflete uma cultura de impunidade dentro das forças de segurança.

As repercussões sociais e os protestos nos bairros periféricos

A morte de Odair Moniz gerou revolta em vários bairros da Área Metropolitana de Lisboa, incluindo o Zambujal e a Cova da Moura. Durante os dias seguintes, ocorreram tumultos, com incêndios em autocarros e caixotes do lixo, destruição de automóveis e confrontos com as autoridades, culminando em várias detenções e identificação de suspeitos. Estes eventos evidenciam a tensão latente entre a comunidade e as forças de segurança, um problema que não é novo em Portugal.

As investigações e o impacto na PSP

A Polícia Judiciária concluiu recentemente a investigação e remeteu o caso ao Ministério Público, que decidiu acusar o agente da PSP por homicídio, com base nos artigos 131.º, 26.º, 14.º, n.º 3 e 66.º do Código Penal. O crime de homicídio pode ser punido com penas entre 8 e 16 anos de prisão.

Paralelamente ao processo judicial, estão em curso investigações internas na Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) e na própria PSP para apurar responsabilidades disciplinares. Neste momento, o agente acusado encontra-se de baixa e foi transferido da esquadra onde trabalhava na altura dos acontecimentos.

Um caso que reflete problemas estruturais

O caso de Odair Moniz não é isolado. Nos últimos anos, têm sido denunciadas práticas de violência policial desproporcionada em bairros de comunidades racializadas, muitas vezes acompanhadas de alegações de discriminação. A Cova da Moura, um dos bairros onde a tensão é mais evidente, já foi palco de outras denúncias contra agentes da PSP, incluindo o caso de 2015, em que jovens foram alegadamente agredidos e humilhados por polícias na esquadra de Alfragide.

A questão do racismo estrutural nas forças de segurança é frequentemente abordada por organizações de defesa dos direitos humanos e por relatórios internacionais. Em 2021, um estudo da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) recomendou a Portugal um maior controlo sobre a atuação policial, de forma a evitar abusos contra minorias étnicas.

O que está em jogo neste julgamento?

O desfecho deste caso será um teste ao sistema judicial português no que toca à responsabilização de forças de segurança por mortes ocorridas em serviço. Caso se confirme a culpa do agente, poderemos estar perante um marco na jurisprudência nacional, com possíveis repercussões sobre a forma como os casos de violência policial são investigados e julgados.

Por outro lado, a defesa do agente ainda pondera pedir abertura de instrução, o que pode prolongar o processo e influenciar a decisão final.

Notas finais

O julgamento do agente da PSP no caso de Odair Moniz será acompanhado de perto por diferentes setores da sociedade, desde movimentos sociais até entidades governamentais. O caso representa muito mais do que a acusação de um agente – trata-se de um reflexo das tensões raciais, da violência policial e do equilíbrio delicado entre segurança e direitos humanos em Portugal.

Continuaremos a acompanhar este e outros casos relevantes. Se quer estar informado e apoiar um jornalismo independente e comprometido com a justiça social, subscreva o Séc. XXI, onde a verdade e a solidariedade andam de mãos dadas.

 

Fontes:

Ministério Público de Portugal

Polícia de Segurança Pública (PSP)

Associação SOS Racismo

Movimento Vida Justa

Agência Lusa

RTP